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domingo, 19 de julho de 2020

NATAL DE 1971 em Macomia... por José D'Abranches Leitão

Desaparecido em combate???
Não! Ainda respiro!
NATAL DE 1971
Tal como tinha prometido ao Duarte Pereira, eis o ataque ao aquartelamento de Macomia- Natal de 1971.



O dia começou com a azáfama habitual, render dos sentinelas, o café com leite com um bocado de "carcaça" que tinha um sabor especial, ainda quente, pois os padeiros quiseram dar-lhe um gosto natalício. 
O meu grupo de combate, para variar, saiu num patrulhamento de rotina. 
O aldeamento, aqui e ali com o fumo característico de fogueiras, o colmo das palhotas tão característico de África. 
 As crianças semi nuas a correrem alegres....o choro dos que andavam colados as costas da mãe, enrolados numa capulana de cores garridas, os seios da mãe descaídos, quando se debruçava para varrer a entrada da palhota! 
A mandioca, o pilão. ...a farinha moída com o "almofariz"...o som do bater do "pau", com as mãos ageis .... Flashs que passados 45 ans ainda retenho na memória. 
Alguns soldados, sentados nos bancos corridos do "pincha", vão lembrando o Natal da sua santa terrinha! 
O bacalhau, as couves, o azeite, as filhoses, as rabanadas, o bolo-rei com a fava, o pão caseiro, a broa, as bolas, tão típicas feitas com sardinha ou bacalhau, que o forneiro fazia, após cada fornada de broa, no forno comunitário da aldeia. 
As prendas, o presépio, com os pequenos bonecos de barro, com o menino Jesus, em destaque....a imaginação de cada um, o musgo, o riacho, as ovelhas...a gruta com o calor do bafo da vaquinha, do burrito...
Enfim o imaginário de cada um, para atenuar um pouco o degredo, a distância, a saudade dos entes queridos, que se reúnem à volta da fogueira na cozinha, para os preparativos da Consoada. 
Ao regressar a meio da tarde...começo a idealizar a noite de Natal. 
Uns ramos de palmeira....a mesa grande de tábuas corridas, as toalhas, as pinturas com motivos natalícios....o centro de mesa....as luzes...os pratos, os guardanapos com um sino de Natal pintado, imaginação do "artista plástico" da Companhia, o Furriel Oliveira....o gira-discos preparado para ouvirmos o Zeca Afonso....os vinis singles que levei...
Os abraços, os desejos de um Feliz Natal, ao camarada que passa por nós, enfim....tudo estava a 'postos para que a Noite de Natal, fosse a "mais familiar" possível. 
 O 1° Sarg Urze com a sua guitarra, já aquece os dedos, com umas variações em ré menor. 
O fado de Lisboa também iria ser cantado à desgarrada! 
E alguns fadistas improvisados...já aqueciam s gargantas!!!
Recordo, que tinha colocado no prato do gira discos um single com o "Menino d'oiro" do Zeca Afonso! Vejo que algumas lágrimas correm pelas faces de alguns! 
Durante a nossas estada na Cruz Alta/Serra do Mapé, consegui que quase toda a Companhia começasse a gostar de Fado de Coimbra, pois mesmo com um gerador a dar o berro, o gira-discos. ...funcionava com os únicos discos que havia...os meus singles de 45 rpm...do Zeca Afonso!
O bacalhau cosido fumegante começa a chegar à mesa ... as batatas cozidas....as couves...os galheteiros...as cervejas distribuem-se ao longo da mesa....e o vinho tinto!!!
As gargalhadas....os sorrisos....de repente são interrompidos pelo silvo característico dos morteiros 60 ou 82....
Estamos a ser atacados! 
O IN quer estragar-nos a ceia de Natal. 
Gera-se alguma confusão. ...alguns escondem-se debaixo da mesa, muita correria. 
A pedido do Capitão Marinho Falcao, conduzimos as mulheres e filhos de alguns oficiais, para o bunker da Casa do Adiministrador de Macomia. 
Após alguns minutos, seriam 15 a 20 minutos do ataque, verificamos que todas as granadas passaram por cima do aquartelamento, e vão explodir no meio do aldeamento! 
Consta-se que haverá mortos entre a população! 
Entretanto chegam a correr o Gouveia e o Carias Mendes, que ficaram no aldeamento para comprarem umas mangas !! (?)....
Mais uma vez, para variar, o 4° Grupo de Combate, sai para patrulhamento, sob as ordens do Major de Operações, vamos até ao Laku. 
O senhor Major queria, via rádio, que fizéssemos uma incursão no vale! 
A noite estava escura como breu! 
Um soldado africano, destemido, mas cauteloso, vai dizendo que será um risco grande pois o IN estará emboscado à nossas espera!
Tinha razão, pois no dia seguinte, verificamos que havia indícios da sua presença e até o rodado de um canhão sem recuo, ainda era visível no capim, para além de termos encontrado um morteiro 60, completamente enterrado no matope!
Depois de mais uma comunicação, via rádio, regressamos ao aquartelamento! 
O bacalhau estava à nossas espera. 
O Gouveia, entre dentes, vai-me sussurrando ao ouvido que apanhou um susto do caraças, pois estava com as calças na mão, a "negociar"...as mangas, quando começou o ataque !!!???? 
O Carias Mendes....ri...a bom rir....mas não ganharam para o susto!
Entretanto a noite vai longa e algumas garrafas de Whisky e muitas Laurentinas, vão "afogando" as mágoas! !!!
Canta-se à desgarrada, com os acordes da guitarra do 1° Sarg, que fez questão de tirar a boina e colocar entre os colarinhos da camisa um lenço. ...de fadista!!!
Por ultimo, o desabafo do Sarj Ajudante Musico, Anjo ( que compôs a letra do hino do Batalhão )
: -Menino (era assim que me tratava)! Estava a ver que já não voltávamos à nossa Coimbra!!!
E o Carlos David (tb de Coimbra) ...associou-se a nós num fraterno abraço! 
Fim
UM FELIZ NATAL PARA TODOS!
Abraço 
José Leitão

quarta-feira, 15 de abril de 2020

Mais uma..., por José D'Abranches Leitão

Mais uma...
Recordo ainda, o artesanato do “pirata”, um Maconde que usava um lenço preto na cabeça, e que fazia autênticas maravilhas! Cabeças, aldeias indígenas, crucifixos pequenos, Talheres, indígenas, ceias, crucifixos, etc. 
Tudo em pau-preto ou pau-rosa, que depois vendia ao pessoal.

Recordo o Capelão do Batalhão que para além de coleccionar estas “obras de arte”, também vendia uns postais muito apetitosos, ou seja, de gajas nuas!

Recuerdos!!!

Recordo que mais tarde, quando estávamos na Mataca, depois de uma célebre operação de grande envergadura, de 5 dias na mata, com um guia Maconde, que nos tentou enganar, andando às voltas, o que originou um grande desgaste, quer físico, quer psicológico, mas que mesmo assim chegamos ao objectivo, embora sem resultados significativos, pois fomos detectados quando tivemos de ser abastecidos de água, por heli. 

O barulho das catanas a rasgar a mata para o heli aterrar, originou que o IN nos detectasse! 
O regresso foi diabólico, demorando cerca de 10 horas contínuas a chegar à Mataca. 
Recordo-me de chegarmos já de noite, tendo sido recebidos com grande alegria pela malta da CCAVª 2750, pois já nos julgavam perdidos ou mortos! 
A caixa de 24 latas, entretanto prometida por mim, ao meu pelotão, foi deliciosamente bebida!
Gostaria de recordar alguns “heróis” desta aventura, mas a emoção atraiçoa-me e tenho medo de me esquecer de alguém!
Tínhamos notícias da malta da CCAVª 2750 (Mataca) CCAVª 2751 (Chai) que também iam “passando” muitos maus bocados! 

Era sempre uma grande aventura, para os condutores atravessarem a Ponte do Messalo, no Chai. Grande perícia tinha de haver, pois a ponte inacabada, só tinha o betão para os rodados das viaturas. 
Ao menor descuido, as viaturas podiam mergulhar no rio. 

Aliás os trilhos nas picadas tinham de ser rigorosamente cumpridos, pois um pequeno desvio, podia ser fatal: Havia minas por todo o lado!

Outra grande arma do IN era o chamado “feijão macaco”! 
Era um tipo de feijão trepador selvagem, que crescia na mata e cujo “pólen”, quando caía no corpo, originava uma comichão tremenda. 
Quanto mais se esfregava, mais comichão fazia. 
Muitas vezes, tínhamos de tirar a roupa e esfregarmos o corpo com terra. 
O IN “arrastava” este feijão trepador para os trilhos que sabiam que iríamos atravessar. 
Era o “caos”! E assim facilmente nos detectavam.

E assim o tempo ia passando, contando os dias, riscados do calendário, e certa altura, somos informados, de que iríamos para perto de Lourenço Marques, cumprir o segundo ano de Comissão. 
Seria um prémio, pois já tínhamos sofrido muito. 
A moral do pessoal estava de rastos! 
Mais uma vez a desilusão total.
Passaram 12,13 e só saímos de Macomia após 19 meses de Comissão! 
Em vez da “Namaacha”…com praia e tudo, fomos parar à fronteira do Malawi, já na Zambézia, limite do Niassa!


José Leitão
CCav 2752

quarta-feira, 25 de maio de 2016

Os traumas vêm à "tona de água", por José Capitão Pardal



A pouco e pouco os traumas vêm à "tona de água" e o melhor é "desabafá-los", por isso, trago à discussão de todos o comentário que acabo de fazer noutro local:
"Acrescento que muitas vezes a diferença entre "fazer bem e fazer mal", significava a nossa segurança, a nossa vida e a daqueles que nos acompanhavam...
No "arame farpado" desde que não afetasse a nossa segurança podia-se facilitar, mas fora deste todos os cuidados eram poucos e mesmo com cuidado era o que nós sabemos......
Uma das poucas vezes que facilitei, (pois não queria ir à lenha para aquele local, porque nos últimos dias todos para lá tinham ido e reconhecia que a rotina matava...) aceitei os argumentos facilitadores da minha (aliás do Belo) seção (havia lá muita lenha e era mais rápido do que ir à procura dela e disponhamos de mais tempo para descansar).
Fui à lenha para onde não devia ter ido, o que se tornara rotina nos últimos dias (e o IN também sabia disso, certamente) e deu no que deu (3 militares + 5/6 miúdos civis mortos e mais de 5/6 pessoas feridas, entre elas eu, que estive 5 meses no HMNampula, gravemente ferido)...
Assim sinto-me muito pior porque facilitei... que dizem?..."

Facilitar ou não facilitar era a questão...


Duarte Pereira Há "coisas" que ainda me fazem confusão.
A 3509 só fazia "picagens" de Macomia em direção ao mar.
Quando havia coluna para o Mucojo, a volta seria umas boas horas depois.
Nunca me lembro que alguèm tenha "picado" no regresso.
Deus esteve connosco.
Os problemas que houve eram sempre na ida.
O IN, só "trabalharia" à noite ?.

Rui Briote É muito natural que sintas mal, mas meu amigo e tudo uma questão de " sorte", destino é sei lá que mais.
Não penses que agiste mal, pois certezas ninguém pode dizer que as tem.
O que aconteceu tinha mesmo que acontecer...não te martirizes.
Repara no que aconteceu comigo.
Estou numa fase má, pois sempre que se aproxima o nove de Junho a minha cabeça não para. Interrogo- me sempre o porquê de não ter ido para Macomia com o meu pelotão.
Se o tivesse feito não estaria no estado em que estou?
Ninguém mo garante, mas a minha cabeça gira gira a dizer- me "agiste mal" ...

Jose Capitao Pardal Um abraço, Rui Briote.

Livre Pensador Amigo Pardal, concordo a 100% com a opinião do Briote, e por isso penso que não podes nem deves considerar que "agiste mal" naquele momento.
Será que algum de nós pode achar que nunca "agiu mal"?
Sempre fizemos o que pensávamos ser melhor em cada momento.
Abraço.
Fernando José Alves Costa Bom dia amigos Jose Capitao Pardal e Rui Briote, depois de passarem mais 40 anos, penso que não devem viver com esse peso de consciência, mas sim pensarem que foi o vosso destino e a ele não consegue fugir.
Naquele tempo poderá ter sido a melhor decisão, para quê continuarem a martirizarem-se com o que aconteceu tanto tempo.

Duarte Pereira Bom dia também para ti Fernando José Alves Costa

Fernando José Alves Costa Abraço Duarte Pereira, boa recuperação da Isabel.

José Guedes Pois é meus amigos, a gente lê e pensa no que aconteceu, mas sempre ouvi dizer, que onde hás de ir, não podes fugir.
A gente depois pode pensar que é sorte ou milagre para quem acredita nestas coisas.
Eu estive escalado para duas colunas e há ultima hora não foi a nenhuma delas, alguém foi no meu lugar porque o serviço assim se proporcionou, numa delas ouve uma emboscada onde o Fernando Costa esteve envolvido, o condutor que foi no meu lugar há ultima hora levou sete tiros nas pernas e uma outra vês alguém partiu no meu lugar com destino ao Chai e o Unimog onde ele ia teve uma mina, mais uma vês me safei.
Para mim sempre pensei que tinha um Anjo da guarda a proteger-me, não sou praticante mas sou católico e tenho fé, mas agora meus amigos vamos vivendo a vida como podemos e Deus quer, porque muitos camaradas nossos nem viveram para hoje contarem uma história.
Só podemos culpar a quem nos obrigou a ir para a guerra que a gente não queria.
Vamos seguir em frente e viver o melhor possível, sejam felizes,... um abraço,...

Armando Guterres a rotina na picada ... descarregar os carros descer às costas e nem tudo voltar aos carros - boa rotina.

Paulo Lopes Que eu me lembre, tirando um ou outro graduado que não lhe apetecia andar a pé, nas colunas Mataca / Macomia e ao contrário, nunca houve facilitismo mas, dentro do estacionamento, isso era um constante, onde permanecia um sentimento de uma segurança que não existia.
Nas operações, por vezes, para não haver facilitismo, o melhor era não ir onde o "cagão-mor" lhe apetecia que fossemos!

Armando Guterres E se fui ao sítio onde eles queriam - parece que, só com pessoal da Mataca, fui duas vezes, numa a emboscada não foi feita - um trilho apeado da população civil ir à água, segundo eles.
No outro, seria um trilho misto de tropa e carregadores na base da serra.
Tenho a dizer que disse ao alf que fosse ele fazer a emboscada e ele lá foi com uma secção. Entretanto muita falta nos fez uma guitarra (ou o barulho feito não teria deixado ouvi-la?).
Se calhar a Mafalda Arnault inspirou-se neste episódio ...

Luís Leote Jose Capitao Pardal, esse facilitismo que referes, Talvez tivesse sido o cansaço.

Umas breves frases escritas pelo José G. D'Abranches Leitão.

" 1971 - Cabo Delgado - Norte de Moçambique
Um aerograma...

"...O medo, a raiva e a ansiedade são na guerra as personagens principais, mas é o cansaço o verdadeiro protagonista.
O cansaço é a pior coisa que há numa guerra.
A fadiga do corpo, a fadiga da mente, a fadiga da própria vida, que nos aproxima tanto da morte que dir-se-ia uma tentação permanente.
Acho que se há heróis numa guerra, que lutam com desprezo da própria vida é porque estão demasiado exaustos para considerarem a vida uma coisa digna de apreço.
Nesta exaustão completa, o próprio instinto de sobrevivência desaparece."
--
in "Pedaços de memória..."

Jose Capitao Pardal Estamos a falar de realidades diferentes...
A Mataca não representava muito para as partes em confronto, podia ser descartada...
O Chai e o Messalo eram locais estratégicos para ambos os contendores e que mesmo que não quisessem, cruzavam-se com bastante frequência...
E não só no sentido figurado, mas também na realidade...
E naturalmente que o nosso comportamento teria que ser diferente...
Paulo Lopes e Armando Guterres eu compreendo o vosso também... mas ali até para os habitantes do aldeamento era difícil viver, sem tomar partido e manterem-se em segurança...

Armando Guterres Nos sabíamos onde eles passavam - chamava-lhe o trilho da jibóia, só faltava saber o número que calçava. As nossas operações eram para onde nós dávamos as coordenadas de termos sido detetados.
Tivemos problemas com cruzamento de relatórios, nosso e dos GE.
Resolvido com "Fui eu a comandar o quarto pelotão" - citei a resposta ao cmndnt de batalhão. ... pois ... um patrulhamento de um dia comandado por um capitão - singularidades da Mataca.

quinta-feira, 31 de julho de 2014

Uma pausa na guerra, por Paulo Lopes


Conforme disse em comentário ao ACONTECEU ANGUSTIA EM MACOMIA do nosso amigo Rui Brandão, aqui fica a passagem do meu livro que, não esqueçam, é um livro romance e não, propriamente, um diário apesar de o ser quase!
.......................................................................
Mais um fim de mês estava a chegar e como ainda me encontrava inoperacional para ações de combate, fui incumbido da deslocação a Porto Amélia (atual Pemba) para tratar de assuntos burocráticos inerentes à Companhia e levantar o dinheiro para pagamentos do pré.
 
 
Uma curta pausa na guerra.
 
Um instante de repouso na visualmente pacifica cidade capital de Cabo Delgado.
Mas, e como acabei de dizer, era apenas uma curta.
 
Pausa na guerra, pois depressa me encontrava dentro do táxi aéreo de regresso a Mataca, sem ter tido tempo de apreciar a sensação de não ter granadas agarradas à cintura nem a pesada G3 nas mãos!...
 
 
 
Mais uma vez deu para poisar o meu olhar sobre aquela imensidão de selva cheia de vida e de hipóteses que se teima em destruir com a brutalidade de pensamento, que existe na cabeça dos governantes.
 
Uma força estranha nos é transmitida quando sobrevoamos aquelas serras de terrenos abundantes que demonstram uma facilidade extrema de expansão se o homem assim quisesse.
No entanto, por debaixo daquelas copas das arvores, estão seres humanos que, obedecendo a estupidas mentes ou simplesmente tentando sobreviver, vão executando a guerra que outros fazem, destruindo-se a eles mesmos e tudo o que de belo existe sem saberem ao certo o porquê, deixando sempre impunes os verdadeiros culpados de tanta destruição.
 
 
Durante a semana que permaneci em Porto Amelia, nada de especial tinha acontecido de desagradável, nem mesmo a rapaziada que entretanto se tinha deslocado em mais uma coluna a Macomia para além claro, dos irritantes trinta e tais quilómetros sempre em constante expectativa e tensão.
 
Um dia depois da chegada da coluna, ouviram-se imensos rebentamentos para la da serra de Mapé.
 
Não tardou a sabermos que Macomia estava a ser atacada com morteiros e com canhões sem recuo. Caíram granadas dentro do quartel, mas felizmente, os estragos foram apenas materiais.
Soubemos também que, no dia seguinte, grupos de combate da companhia estacionada em Macomia e depois de uma batida à zona provável do ataque, tinham encontrado seis elementos IN mortos e capturadas quatro armas.
Provavelmente foram atingidos no contra-ataque, também com morteiros, desencadeado por Macomia.
 
 
Os quatrocentos elementos da Frelimo, que segundo informações obtidas, se encontravam na serra de Mapé, começavam a produzir!...
 
À Mataca voltou a tensão que apesar de estar constantemente presente no nosso espirito, por vezes ia sendo enganada por um falso esquecimento abrandando a nossa pressão de alerta a que nos obrigava este dia a dia da persistente e matreira guerra.
Sorriamos otimistas escondendo o nervosismo esperando a nossa vez de entrar em palco e como que a transmitir um certo animo, dizíamos uns para os outros:
Eles que venham que a sopa esta pronta.
 
 
Pronta estava a mensagem que chegou anunciando mais uma operação.
Resumindo a finalidade desta: – Patrulhar zona do rio Mapi, fazendo barreira a uma possível fuga de elementos IN vindos de uma base que um grupo de comandos iria atacar.
Os grupos a participar: segundo e terceiro.
 
Esse previsto ataque não seria efetuado porque o grupo de comandos que estava com essa missão foi obrigado a abortar tal intenção sem sequer fazer a aproximação à possível base, pois muito antes do local onde deveriam atuar foram detetados, o que tornou impossível a surpresa do ataque e a eficácia da operação.
Assim, após comunicação superior, os nossos dois grupos deixaram as margens do rio (como sempre, rio só no nome porque a essência, a água, nem vê-la) sem que nada tivessem observado de anormal tendo em conta que nós já considerávamos normal todo o desenrolar de quilómetros e quilómetros palmilhados, alimentados a ração de combate e dormidos num monte de capim!...
 
Há muito que considerávamos normais estas operações quando afinal, o normal seria estarmos junto dos nossos, a estudar ou a trabalhar!...
 
Mas o principal objetivo, pelo menos para nós, que batalhávamos nas matas, que rasgávamos a floresta espiolhando o perigo, atravessando medos, alimentando o futuro com pensamentos positivos, tentando enganar o tempo, ia, com lentidão, mas sendo alcançado: mais cinco dias passados!...
 
E de minuto em minuto, de operação em operação, de susto em susto, o tempo ia correndo e o primeiro ano da minha comissão estava atingido e a dos meus camaradas já tinha passado mais um pouco.
 
 
Faltava outro tanto.
Outra parte igual para não viver.
Mais um ano perdido a ser riscado onde a vida individual era de valor nulo.
Apenas um numero ao serviço das armas e ao dispor da sorte.
Vidas que obtinham uma vaga lembrança, quando, do alto do pedestal, os heróis da nossa pátria, os cérebros, os fazedores de guerras, descem ao povo e colocam medalhas no pescoço das mães de corações despedaçados e moles pela perda dos seus filhos, e tudo, a bem da nação.
 
Troca-se de uma medalha e um falso abraço por uma vida, e tudo fica pago e esquecido!!!...
 
paulo lopes
in "Memórias dos Anos Perdidos ou a Verdade dos Heróis"