terça-feira, 27 de agosto de 2013

Os meus primeiros dias de tropa, por Paulo Lopes

R. A. 4 - Leiria
Para espicaçar a malta a contar os seus primeiros dias de tropa aqui fica mais um pouco do livro: "Memórias dos Tempos Perdidos ou a Verdade dos Heróis"

Falando nisso, vamos almoçar...
Um militar de divisas douradas em pano de fundo verde tropa (fiquei a saber que era 2º sargento) veio chamar-nos à caserna, agora um pouco mais calma e menos conflituosa com a confusão gerada pelo homem/roupa/apetrechos/cama de cima ou de baixo/cacifo esquerdo ou direito:
— Tudo la fora, rápido. Vociferou com voz de comando num tom feroz a querer meter-nos medo, como se disso houvesse necessidade, a nos, pobres mancebos que ainda nos tremiam as pernas só de ver o lustroso fardamento que enfeitava a besta feita militar.
Após reunidos e perfilados na parada a saída da caserna e sem muitos rodeios, pôs-nos a caminhar mais ou menos ordenados em direção ao refeitório.
Primeira refeição: Chicharro frito com arroz.
Até que do chicharro gostei ou então seria a fome que já fustigava o estômago e resmungava por qualquer ementa, mas o arroz, coitado, parecia feito de um bago só, qual cimento quase seco, enfim, do mal, o menos e dava para afugentar a fome que se ia aproximando dos nossos esfomeados esqueletos!
Decerto que me esperavam coisas bem piores que um simples arroz mal confecionado!
Digo eu!
Estávamos no fim da nossa refeição quando fomos “convidados”, mais uma vez com uma voz de dono do mundo, a apresentar-mo-nos dentro de dez minutos na parada.
Ordens são ordens e a nossa posição não aconselhava a ripostar.
Longe de tal, pelo menos no que tocava a minha pessoa apesar de, interiormente, não ter gostado daquela forma de convite!...

Mas nós já não éramos convidados.
Já fazíamos parte integrante dum objeto que servia para ser amedrontado por frustrações impiedosas de produtos mal acabados e cioso de mostrar o seu pseudopoder.

Já na parada e de formatura efetuada com o esforço dedicado de dois ou três fulanos com divisas vermelhas e em bico também listadas em pano de fundo verde tropa (mais uma que fiquei a saber: cabos milicianos) ficamos a conhecer os nossos futuros protetores e docentes:
Comandante da Companhia: um capitão.
Três listas douradas verticais sobre um fundo verde;
Comandantes de Pelotão: tenentes, alferes e aspirantes.
Duas listas douradas na vertical os primeiros, uma lista dourada os segundos e os últimos também uma lista dourada mas na diagonal do fundo verde.
Por fim, Comandantes de Secção: furriéis e cabos milicianos.
Três listas em forma de sinal de seta sendo duas para um lado e outra para o lado oposto.
Isto os furriéis.
Os cabos milicianos faziam o mesmo desenho mas em listas vermelhas e não tão reluzentes.
Os “maiorais”, aqueles que só aparecem em ocasiões especiais, os que mandam nos que na altura se esforçavam para dar mostras evidentes que eram eles que ali mandavam, iríamos conhecer um pouco mais tarde.
Uma lição importante: há sempre alguém que manda acima de quem manda alguém!...(falta-me descobrir se existe fim, se para nalgum lado, se o animal tem focinho e cauda!...
Ficamos ali mesmo com a nossa primeira lição de obediência hierárquica.
Fomos divididos como quem divide uma partilha e entregues aos nossos proprietários para que estes fizessem de nós “homens a sério”!
Estávamos apenas na primeira semana da nova vida.
Ainda completamente inadaptado a nada nem a ninguém, numa das formações matinais, antes do pequeno-almoço, chamaram uns quantos, um a um, para uma formatura à parte onde, sem saber porque, também estava incluído!...
— Mau'! Que fiz eu para obter tamanha honra de marginalização?
Perguntei para os meus botões que foram, diga-se, meus conselheiros de muitas batalhas dos pensamentos quando tinha tempo, espaço e vontade de pensar!
Depois de separados, ficámos a saber que estávamos escalados para fazer uns testes a que davam o nome de psicotécnicos.
Tal como um toque de interruptor que velozmente acende uma luz, vieram-me a memória alguns conselhos (idênticos ao do engolir uma azeitona!) que me tinham acompanhado para esta vida militar. Conselhos de quem já tinha passado pela tropa e entre muitos, um dos que ficou gravado na minha memória foi:
— Não te armes, nem em muito esperto, nem em demasiado burro.
Fica sempre no meio e se possível despercebido.
Para que serviriam aqueles testes?
Como deveria agir?
Devo esforçar-me e dar o meu melhor ou simplesmente efetuá-los?
Do que constarão os testes?
Foi neste estado de espírito que passei o dia e não consegui obter uma auto-resposta.
Mas venham de lá esses testes!
Que coisa mais burra!
Ou foram estupidamente elaborados ou propositadamente de aparência estúpida!
Testes tão fáceis que não dava sequer para tentar não saber fazê-los.
Já não me recordo de todos, mas um ficou-me memorizado: parecia um brinquedo de crianças, daqueles que dizem para que idade que foram concebidos e contava para pontuação não só a colocação de umas peças no local correto mas também o tempo que demoraríamos a efetuar essa tarefa.
 
Desconfiei daqueles testes e fiquei a pensar se estávamos simplesmente a ser gozados ou mesmo a ser testados mas de uma maneira diferente do que estava habituado nos tempos não muito longínquos das cadeiras das escolas e com testes bem mais complicados.
Terminados os testes de secretária feitos num só dia, passámos a outros, aos físicos:
Na manhã seguinte e previamente avisados, estávamos novamente formados à parte e conduzidos à pista dos obstáculos físicos.
Comecei a pensar que deveria dar o meu melhor e que talvez, com isso, retirasse alguns dividendos que me pudessem aliviar de funções mais pesadas e fosse colocado numa secretaria militar dum qualquer quartel, conforme o anjo me falava, de quando em vez, atrás da orelha a quem eu, já desconfiado, respondia na orelha dele: e eu sou o Pai Natal!
Conflitos de pouca monta!
Iniciámos então os diversos exercícios físicos sempre acompanhados e vigiados de perto por graduados que apontavam, penso eu, as nossas aptidões!
Daquilo gostava eu.
Desporto sempre foi comigo.
Mas de calções, ténis e camisola, não fardado e com botas da tropa!
Essa e que eu não esperava!
Entre saltos em comprimento; corrida de obstáculos a percorrer o mais rápido possível um determinado espaço; ora correndo ora rastejando por baixo de arame farpado ou saltando por entre pneus suspensos por cordas a troncos de arvores, tal qual macacos, foi mais ou menos fácil de transpor para todos os intervenientes mas, andar em travessas com um palmo de largura a três, ou mais, metros do chão e saltar daí para um tronco de árvore que distava cerca de um metro, agarrar-se a ele e por ele descer, complicou a situação para uns quantos, do que não se livraram duns certos nomes e risadas.
Gostei de fazer todos aqueles exercícios e fi-los com determinação e uma perna as costas esquecendo que estava a ser classificado para algo que desconhecia.
O desporto sempre injetou em mim uma espécie de analgésico com efeitos imediatos fazendo com que me concentrasse no que fazia esquecendo o que viria a fazer ou o que tivesse feito!
Resultado intermédio: fiquei, no conjunto dos testes, psicotécnico e físico, em segundo lugar.
Resultado final: guia de marcha com mais uma boa mão cheia de camelos com as mesmas bossas que eu, para o quartel das Caldas da Rainha.
No final da segunda semana de clausura, mandaram-nos descansar para casa esse fim-de-semana, não sem que antes ter de devolver as tralhas que já tinham colocado a nosso uso e de nossa inteira responsabilidade.
 
Eu e mais uns quantos “magalas” já não regressaríamos a Leiria tendo na mão uma guia de marcha com destino ao RI 5 onde teríamos de nos apresentar na segunda-feira seguinte.
 
Paulo Lopes (20130827)
 
 
 

sexta-feira, 23 de agosto de 2013

RECRUTA - Pelo Rui Brandão

 
Destacamento da Escola Prática de Cavalaria em Santarém - 1970
 
 
RECRUTA

Dado o tema RECRUTA ser apetecível para a "memória militar" e estar a ser trabalhado com as experiências de cada um, deixem-me explanar um pouco o que passei em Santarém.
 
Pertenço ao 2º turno de 1970.
Nessa altura ainda se usava a Mauser para os exercícios e a G3 só para fazer tiro, lá naquela carreira de tiro de episódios com piada (um, dois e três apanha invólucros, o resto vai ver a merda que fez).
 
As vivências/experiências/ambientes têm muito a ver com as pessoas que compõem os respetivos grupos.
 
No meu caso direi que tive umas primeiras 4 a 5 semanas de bom ambiente, dado que o aspirante (licenciado em Direito) que nos dava a Recruta era simplesmente um tipo impecável.
 
No primeiro dia, chegou junto do pelotão e disse: - Meus senhores, sabemos que ninguém gosta disto,... mas vamos aproveitar o que há de bom nesta Recruta, a camaradagem e os exercícios físicos.
 
Claro está que ficou com o Pelotão na "mão".
Passadas essas 4 a 5 semanas, um dia apareceu de manhã acompanhado de outro aspirante.
 
Informou que iria passar para os serviços jurídicos do quartel e seria substituído pelo novo aspirante que agora apresentava.
Ok, tudo bem.
Embora deixando saudades.
 
O novo aspirante, informa que íamos para a carreira de tiro, de imediato dá-nos ordens para NUM MINUTO irmos buscar o capacete à caserna.
 
Nós estávamos aquartelados no Destacamento.
Da parada até à caserna e voltar não dava para UM MINUTO.
Quando voltámos, o aspirante com o seu ar imponente gritou que já tinha passado o tal MINUTO.
Enchemos 50.
O aspirante ficou "apresentado".
 
No próximo Capítulo vou descrever-vos a personalidade deste "cromo".
 
Rui Brandão 20130731

quinta-feira, 22 de agosto de 2013

A MINHA PRIMEIRA COLUNA DE REABASTECIMENTO A MACOMIA, por Paulo Lopes



"Picada" Mataca - Macomia (foto Paulo Lopes)
PRIMEIRA “PICADA” ATÉ MACOMIA

Ficámos alguns dias sossegados da azafama constante do vai e vem das operações, o que nos admirou bastante, mas não nos preocupou absolutamente nada.

Podíamos passar os dias a ler, a jogar xadrez, damas ou cartas, consoante os gostos de cada um e, pela tardinha, fazíamos —os mais desportistas— uma peladinha naquele “estádio” fabuloso onde, enquanto uns corriam atrás da bola fugindo ao tédio, outros viam, aplaudiam e apoiavam os do lado de que mais gostassem naquele momento, como se estivessem no estádio do seu clube eleito.

Quanto ao que me tocava, não dispensava esse momento de desporto e lá estava eu, sempre no meu posto de guarda-redes, defendendo o meu emblema que era, sem duvida, o esgotar dos minutos, o passar do tempo numa actividade com acesso à descompressão do pensamento negativo.
 
Enquanto tentava que nenhuma bola passasse para além das canas de bambu, esquecia-me que, para lá do arame farpado, existia outro “jogo”, onde nenhum de nós, jogadores, ganharia.
 
A vitória ia apenas e sempre, para os abutres que dominam o mundo e as pessoas!
Nestes dias tínhamos, portanto, as duas partes que constituem a felicidade de um soldado: bem alimentados (tendo como conceito que a boa alimentação era apenas e tão só o não comer a ração de combate) e repouso absoluto.
Situação invejável, não fosse o local de isolamento onde permanecíamos e a constante tensão que, mesmo neste sossego interior, estava, apesar das aparências, continuamente presente.
A qualquer momento todo o cenário se poderia modificar e o que era descanso passaria a pesadelo muito antes de um esfregar de olhos!...

Nos primeiros tempos da campanha, mesmo com estas situações pontuais, sentia-me completamente destroçado e incapaz de reagir.
Agora, ventos e tempestades passadas, tormentas e ansiedades desmanteladas, horas consecutivamente contadas minuto a minuto, estes poucos dias de “nada fazer”, faziam-me sentir quase contente e feliz.
É tudo uma questão de hábito.
Assim se comprova, na realidade, que somos um animal de hábitos.
Mas a “boa fruta” chegou ao fim quando uma ordem para nos irmos reabastecer a Macomia entrou pelas antenas do aparelho do nosso criptógrafo.
Era a primeira vez que saía da Mataca para ir a outro aquartelamento atravessando a serra através da picada que nos levava até lá.
Ia “estreá-la” e conhecer todos os seus riscos que espreitavam atrás de cada árvore, à frente do próximo passo.
Mais uma nova experiência não desejada para adicionar a umas já conhecidas, à espera de outras que o futuro espreita.
.
— Amanhã vamos a Macomia e como já não é novidade, os perigos são vários, tanto no caminho para lá, como no regresso e principalmente neste, visto que vimos carregadinhos de mantimentos, portanto, há que abrir bem os olhos e arrebitar as orelhas.
Dizia o alferes S……, continuando: — Daqui a pouco, mais para a noite, como costumamos fazer nestas ocasiões, vão informar a vossa “malta” que por volta das quatro e meia, cinco horas, arrancamos! Creio que não são necessárias mais conversas porque, como sabem, para estas picadas, quanto menos se falar melhor.

E com estas palavras, poucas e simples, saímos! Ainda vinha a sair da reunião e já estava a perguntar, porque me fez uma certa curiosidade, o porque do “quanto menos se falar melhor” e qual a razão de apenas à noite se ir dizer ao grupo que cada um de nós comandava, que iríamos a Macomia no dia seguinte.
As respostas às minhas questões foram tão rápidas e simples, quanto a reunião que acabávamos de ter: — Porque, não sabendo como, mesmo aquela hora da manhã, quando se passa pela aldeola, já lá estão nativos para aproveitarem a nossa deslocação a Macomia, apanhando boleia até lá, correndo assim menos riscos de serem apanhados por elementos da Frelimo e também para pouparem uns largos quilómetros nas pernas.
Ora, se eles sabem, mesmo quando essa viagem só é dada a conhecer já à noitinha, também os “turras” tinham esse conhecimento e tempo para preparar uma emboscada ou colocar minas. Portanto, quanto mais tarde se desse a informação, menor era a possibilidade de ser passada para o exterior.
Dizia-me um camarada.
Simples e agradável de saber!...
Ainda não eram cinco da manhã e mal a aurora tinha chegado, já todos estávamos preparados para a partida.
O roncar dos motores deu o sinal e, ainda em cima das Mercedes 404, quatro ao todo, iniciámos o percurso que tinha passagem inevitável pela aldeola.
Lá estavam eles!!! Tal como me tinham dito, uma dúzia bem medida de nativos já estavam prontos, de malas aviadas e “arranjadinhos” para a “excursão”.
Enquanto eles subiam para as caixas das Mercedes, nós saltávamos para o chão porque, a partir dali, íamos entrar na floresta a caminho da Serra do Mapé.
 
A “estrada” não era mais do que trilhos formados pelo passar daquelas já cansadas viaturas que as gastas rodas faziam pelo mato dentro rasgando uma linha que se ia desviando ao sabor das corpulentas árvores tão velhas como a floresta que atravessava.
À frente iam os batedores.
Cerca de dez de cada lado do rodado por onde passariam as rodas das viaturas. A distribuição destes militares era feita intervaladamente e revezando-se: cinco preparados com a sua respectiva arma para o que desse e viesse e os outros cinco iam picando constantemente a terra com uma cana de bambu que tinha um prego enorme na ponta, a que chamavam “detector de minas” que, conforme o nome indica, tinha como intenção o detectar das minas que estivessem colocadas no dito rodado.
 
Eram trinta e tal longos quilómetros que tínhamos de palmilhar até Macomia!...
A vegetação era inconstante: ora espessa e de uma densidade assustadora não permitindo enxergar meio metro para os lados. Ora aberta e de arvoredo espaçado dando-nos uma confortável sensação de segurança quanto a possíveis emboscadas.
 
De minuto em minuto, de passo em passo, umas vezes apressados, outras nem tanto, consoante as exigências do terreno, fomos progredindo atravessando o pé da Serra, subindo-a, “largando”, de quando em quando, granadas de morteiro, como que a “varrer” os locais periféricos da nossa passagem, até atingirmos o cume.
Sem descanso e com todos os sentidos a funcionar em pleno, avistámos as machambas de Macomia, cerca do meio-dia.
Do aquartelamento de Macomia até às machambas onde nos encontrávamos, já um grupo de combate daquele quartel tinha batido a zona e então, com mais segurança, poderíamos montar nas Mercedes e dirigir-mo-nos ao quartel, dando um pouco de descanso as pernas já um pouco desejosas de parar.

Num instante chegámos a Macomia.
Vila onde se situava a sede do Batalhão ao qual a nossa Companhia pertencia.
Para além do quartel (quartel mesmo! com casernas e tudo), Macomia já tinha umas quantas casas de habitação, cujas, poderiam ter mesmo esse nome.
Já havia uma, mas só uma, estrada de alcatrão.
Esta vinha de Porto Amélia, com passagem por Macomia.
Estrada nada amigável para ser utilizada por viaturas civis sem se fazerem acompanhar pelas Panhard do Exército e em coluna não estando, mesmo assim, livres de irem pelos ares arremessadas por minas não detectadas que, mesmo por baixo do alcatrão, eram colocadas pelos guerrilheiros que esburacavam nos laterais do asfalto depositando-as na distância prevista onde passaria o rodado das viaturas.
 
Também existiam duas casas comerciais onde se podia comer um bife com batatas fritas e beber uma bela cerveja fresca, o que, para nós, vindos do fim do mato, atravessando um autentico oceano de arvoredo, era um hotel de cinco estrelas!
Que luxo!!.
Este quartel já tinha traços metropolitanos e de forma idêntica aos diversos quartéis espalhados por Portugal Continental.
Não tinha nada em comum, no aspecto arquitectónico, com aquilo que tínhamos em Mataca. Um quartel murado com muros de tijolo e cimento, chão totalmente alcatroado, não com simples arame farpado como na Mataca e dum chão de terra batida esvoaçando poeira mal havia uma leve brisa de vento.
 
Recheado dumas quantas casernas também feitas de material que consiste numa casa normal, com telhados de telha de barro, janelas para arejar e dar luz solar e chão de mosaico. Não num buraco feito na terra, com folhas de zinco como telhado, sem uma única janela ou quaisquer arejamento para além das portas mal amanhadas que arrastavam e esburacavam o chão feito do mesmo material que o restante estacionamento, como as nossas “casernas” da Mataca.

Que me perdoem, esta minha invejosa definição e comparação, os camaradas que sofreram naquela terra onde a guerra também estava visível a olho nu e que, tal como nós, estavam bem longe dos seus. Felizmente para eles que tinham, pelo menos, o mínimo de condições de sobrevivência e que, não os aliviando da malfadada sorte de terem sido espoliados da sua juventude, os ajudava a desanuviar um pouco mais a dor que nos perseguia constantemente e que instintivamente nos íamos defendendo, cada um à sua maneira e com as armas que individualmente tínhamos no pensamento.

Estivemos dois dias estacionados, onde até deu, pelo menos para mim que não posso ver uma bola aos saltos, seja de que modalidade for, disputar uns quantos jogos de voleibol.
Sim!
Aquele quartel até tinha campo de voleibol alcatroado e delineado!
Claro que nada disto os afastava dos perigos constantes e comuns a todos nós.
Apenas os aliviava um pouco a tensão tal como as nossas “jogatanas” de futebol na Mataca.
 
Mas como o nosso lugar não era aquele, após termos o nosso carregamento prontinho para regressar, fizemos-nos à “estrada!”...
Já tínhamos talvez perto de três horas percorridas e já estava ultrapassada a descida da serra quando, de repente, fomos surpreendidos pelo som estridente dos tiros que vinham da frente da formação. Estávamos no meio de uma emboscada.
Quase de imediato, como se fosse automático, os nossos homens que se encontravam na zona efectiva da emboscada, ripostaram com bastante fogo de rajada. Conheci então, pela primeira vez, a guerra psicológica:
— Comandos a esquerda! G.E. à direita! Gritava o furriel M…… de alto e bom som, fazendo jus a sua boa voz de comando enquanto todo o pessoal já estava, apesar da surpresa inicial, ordeira e estrategicamente deitados no chão da picada com as armas apontadas para os dois lados do denso mato e prontas para a defesa.

Comandos e Grupos Especiais, como o M…… queria que houvesse, isso é que não vi nem poderia ver a não ser em pensamento ou nalguma visão de filme de guerra!...

As únicas forças existentes eram os primeiro e quarto grupo de combate e mais a tal dúzia de nativos que regressavam connosco para Mataca que, não ajudando em nada nestas ocasiões, atrapalhavam ainda mais!
Conforme sorrateira e inesperadamente fazem a emboscada, também e com ainda maior rapidez desaparecem sem deixar rasto da sua presença.
Assim funciona a guerra de guerrilha feita pelos guerrilheiros da Frelimo.
Entre gritos, tiros, explosões de granadas por nós atiradas, e de insultos ao inimigo nada nos aconteceu para além do enorme susto e o acelerar das batidas do coração. Foi muito maior o nosso fogo de resposta à emboscada do que aquele efectivado pelo IN.
Este disparou alguns tiros e fugiu.
Aliás, e felizmente para nós, como era habitual nos guerrilheiros da Frelimo!
Pela forma do ataque, ficámos convictos que não tinha sido uma emboscada premeditada mas sim e apenas um encontro ocasional, uma passagem simultânea no mesmo local e aproveitada pelos guerrilheiros, visto que, a grande distância, já se ouvia o roncar fastidioso e melancólico dos motores das nossas viaturas.
 
O tiroteio também não durou muito tempo, e depois de fazermos uma busca rápida a zona circundante no interior do mato, prosseguimos com a coluna até a Mataca sem que mais problemas tenham surgido.
Nestes momentos, passados os sustos, é que nos vem à memória como eram bons os tempos em que, nas diversas paradas dos quartéis da Metrópole, quando em formatura se ordenava: —quem sabe andar de bicicleta saia da formação.
Estratégia de que todos conheciam a razão, mas que sempre fazia alguns “cair”, espelhando orgulho nos seus rostos como se saber andar de bicicleta fosse uma questão de grande orgulho nacional: —Então apresentem-se na cozinha que há muita batata para descascar”. Surgia de imediato o prémio!
Após este susto, e com surpresa geral, estivemos novamente “parados” no nosso canto, mais de quinze dias.
Foi neste espaço de tempo que saíram duas promoções:
Sem alaridos, sem pompa nem discursos de ocasião e muito menos com paradas militares. Apenas em comunicado oficial e lido, já não sei bem por quem, duma forma simples como quem lê uma noticia no jornal sem quaisquer importância:
— O alferes S…… passa a capitão miliciano e o furriel L…. promovido a alferes miliciano.
A única situação alterada, e apenas para o L…., foi a mudança de “aposentos” instalando-se na messe dos oficiais.
 
Paulo Lopes (20130822)

quarta-feira, 21 de agosto de 2013

NOVAMENTE, TAVIRA, por Fernando Bento


 
BOA TARDE PESSOAL.
 
FINALMENTE ENCONTRO-ME A PASSAR UMAS FERIAS EM SARZEDO, MINHA TERRA NATAL.
 
DEPOIS DE ALGUM TEMPO DE AUSÊNCIA DEVIDO A COMPROMISSOS PROFISSIONAIS, QUE MUITO ME OCUPARAM NESTAS ULTIMAS SEMANAS, CÁ ESTOU PARA TENTAR POR A ESCRITA EM DIA, E TENTAR COLABORAR (DENTRO DO POSSÍVEL), NESTA PAGINA.
 
GOSTARIA DE PARTILHAR CONNVOSCO A MINHA CHEGADA A TAVIRA.
ENTÃO CÁ VAI.
 
APÓS UMA RECRUTA NO RI 5 NAS CALDAS DA RAINHA, RECEBI GUIA DE MARCHA PARA TAVIRA (C.I.S.M.I.), ONDE IRIA FREQUENTAR O CURSO DE SAPADORES.
 
ESTÁVAMOS NO INICIO DO MÊS DE MAIO DE 1971.
 
DEPOIS DE UMA NOITE MAL DORMIDA, FEITA, PRIMEIRO DE BARCO DO TERREIRO DO PAÇO PARA O BARREIRO E DEPOIS DE COMBOIO, QUE PARAVA EM TODAS AS ESTAÇÕES E APEADEIROS, CHEGUEI A TAVIRA, CERCA DAS 6,30 DA MANHÃ.
NA GARE DA ESTAÇÃO DOIS ELEMENTOS DA P.U. (POLICIA DA UNIDADE), ESPERAVAM-NOS. MANDARAM-NOS FORMAR A DOIS E LÁ SEGUIMOS EM DIREÇÃO AO QUARTEL QUE ATÉ NEM FICAVA MUITO LONGE DA ESTAÇÃO.
 
QUANDO LÁ CHEGÁMOS JÁ ERA GRANDE A BARAFUNDA COM MUITOS INSTRUENDOS QUE À VOLTA DE UNS PLACARDS COLOCADOS À ENTRADA DA PARADA TENTAVAM SABER ONDE IRIAM SER COLOCADOS: COMPANHIA, CASERNA, ETC..
 
TINHA ACABADO DE VER ONDE IRIA SER COLOCADO (1ª COMPª. E 1º PELOTÃO), QUANDO SE OUVIU UMA VOZ NAS NOSSAS COSTAS:
ATENÇÃO, SAPADORES, ONDE ESTÃO OS SAPADORES DO 1º PELOTÃO.
TEEM 5 MINUTOS, 5 MINUTOS OUVIRAM BEM?... PARA ESTAREM AQUI NA PARADA FARDADOS COM A FARDA Nº 3.
 
OLHÁMOS NA DIREÇÃO DONDE VINHA AQUELA VOZ, ERA UM ALFERES, O ALFERES MADEIRA, SAPADOR, E QUE SERIA O NOSSO INSTRUTOR.
 
BOM, COMO CALCULAM FOI UMA CORRERIA LOUCA EM DIREÇÃO À CASERNA PARA NOS VESTIRMOS COMO ELE MANDOU.
FOI UMA GRANDE CONFUSÃO.
EU ATERREI NA PRIMEIRA CAMA QUE ENCONTREI VAZIA E DESPACHEI-ME O MAIS RÁPIDO QUE PUDE.
 
QUANDO CHEGAÁOS À PARADA, OS 5 MINUTOS TINHAM PASSADO HÁ MUITO.
HAVIA ALGUNS DE BLUSÃO, CAMISA E GRAVATA E CALÇAS Nº 3, OUTROS COM A PARTE DE CIMA Nº 3 E CALÇA DE SAIDA, UMA GRANDE MISTURA DE FARDAMENTOS.
 
O ALFERES À NOSSA FRENTE OLHOU-NOS COM UM SORRISO TROCISTA, MANDOU, FIRME, SENTIDOOOO, MEIA VOLTA VOLVER, PASSO DE CORRIDA E LÁ FOMOS EM DIREÇÃO AO PORTÃO SUL.
ESTE PORTÃO DAVA ACESSO À ZONA DE INSTRUÇÃO, ONDE SE SITUAVAM A PISTA DE OBSTÁCULOS, AS SALINAS COM AGUA ESTAGNADA, ETC..
 
BOM JÁ ESTÃO MAIS OU MENOS A CALCULAR A RECEPÇÃO QUE NOS FOI OFERECIDA.
ERAM AS FLEXÕES, OS ABDOMINAIS, O RASTEJAR, ANDAR DENTRO DAS SALINAS, ETC..
 
QUANDO UMA HORA DEPOIS ENTRAMOS NO QUARTEL, TODOS "BEM CHEIROSOS" E SUJOS DE PORCARIA DOS PÉS À CABEÇA E A GRITAR, OS SAPADORES SÃO OS MAIORES, ESTÃO A VER A CARA DOS OUTROS QUE SENTADOS PELOS CANTOS AINDA AGUARDAVAM ORDENS.
 
DEPOIS VIEMOS A SABER QUE AQUILO ERA UM ESPECIE DE PRAXE AOS NOVOS SAPADORES.
AS FARDAS FORAM LAVADAS CONNOSCO LÁ DENTRO.
Fernando Bento publicou no
BATALHÃO DE CAVALARIA 3878
20130820
 

 

segunda-feira, 19 de agosto de 2013

DE RECRUTA A ESPECIALISTA, por Paulo Lopes





Foto de autor desconhecido (Google)



— Juro...

Ouvia-se em uníssono como um trovão que se espalhava na atmosfera, misturando-se com a multidão, entrando nos corações dos familiares fazendo com que estes sentissem um estremecer nos seus corpos emocionados, não sei, digo eu, porquê!...
 
Um Juramento de Bandeira duma imensidão de mancebos que já estava com o seu tempo de juventude encalhado numa forte incerteza no futuro que os separava dum presente eficazmente escolhido por homens dum passado mantido em segredo, cujo pensamento mesquinho e curto não alcançavam nada para além dos seus interesses pessoais.
 
Um falso juramento de mão no peito e de palavras no pensamento que só estão descritas nos dicionários de obscenidades.
 
Um juramento de vontade apressada porque a família, embasbacada de orgulho nos seus filhos, estavam a espera, desejosos de nos levar até casa, para uns míseros dias de descanso, onde nos esperava uma dose reforçada de carinho e de acepipes que só as mães de cada um sabiam fazer.
E ainda só tinham passado três meses...

— Juro...

Por minha parte não jurei absolutamente nada, apenas terminei o primeiro ciclo de uma vida que não queria mas a que a isso estava obrigado.
Obrigado a cumprir.
Obrigado a obedecer. (Obrigado Srs. generais, Srs. marchais, muito obrigado. Estou imensamente grato a V. Exas.
Curvo-me a vossa sabedoria).
Próximo destino: Tavira.
O tal pensamento ou sonho que me acompanhava e me assolava de vez em quando o espírito, segredando-me que iria passar a minha missão militar numa secretaria, já tinha ficado para trás.
 
O Exército não ia formar sargentos milicianos para ficarem dentro duma repartição... a não ser que surja aquela repentina doença: a cunha!...
 
Se alguma réstia de esperança ainda teimasse em sobreviver no meu intimo, Tavira, dava-lhe o golpe de misericórdia.
Acabava com ela.
 
Já conhecia esta cidade algarvia de outros tempos.
Tempos de praia e lazer.
Tempo de criança onde tive a oportunidade de ir passar algumas férias aproveitando aquele sol algarvio e o refrescar nas águas tépidas da Ilha de Tavira.
 
Só não sabia, que já nesse tempo, existia um quartel dentro da cidade a formar futuros sargentos milicianos atiradores e de outras especialidades todas elas com o cunho bélico.
Significava então, que a esferográfica ou a máquina de escrever que pairavam nas minhas esperanças seriam substituídas, no meu caso, por uma espingarda.

Na chegada a Tavira deparei com um quartel muito inferior ao das Caldas da Rainha: de aspeto velho e a precisar dum urgente restauro.
Uma parada que se ficava por uma milésima parte da parada do RI 5.
Após os já conhecidos requisitos do costume, fiquei a saber que por via da falta de alojamento para tanto instruendo, estava instalada uma pratica comum de, com a apresentação dum qualquer documento médico de pouca convicção, poderia pernoitar fora do quartel.
Aproveitei essa benesse com unhas e dentes e tudo o mais que conseguisse para agarrar essa bendita prática do quartel de Tavira apesar de estar sujeito a ver sugado o meu pecúlio mensal oferecido e cumprido pelo meu ex-patrão e mais o que vinha dos meus familiares.
Quarto para alugar era produto que abundava.
Bastava ir a Porta de Armas que logo alguém apareceria para nos ajudar a tal procura.
Tavira era movimentada por essa industria.
Não havia rua onde não houvesse quartos alugados por militares com pouca vontade de pernoitar no quartel. Esta prática dava-nos também acesso a sermos desarranjados ao jantar: — A não ser que fossemos previamente avisados que não nos poderíamos ausentar do quartel.
 
Alguém logo nos foi alertando com um tom de voz que fazia subentender a prática de um crime militar gravíssimo.
Uma mais-valia para as tascas de Tavira que tinham de alimentar todas aquelas bocas de jovens militares famintos. E não foram poucos os que aproveitavam essa soberba forma de falsa liberdade militar... Para nos era uma golfada de ar fantasiosamente fresco.
 
Para os comerciantes era um abono de família suplementar.
Para os assalariados do exército que tinham obrigatoriamente de nos alojar e alimentar era, sem dúvida, uma forma rápida de fazer pequena fortuna, à custa do que entrava para o orçamento militar daquele quartel, cujas contas já tinham incluída a nossa alimentação, que depois viria a sair sabe-se lá como e para onde!...

In "Memórias dos Anos Perdidos ou a Verdade dos Heróis"
Paulo Lopes (20130801)

domingo, 18 de agosto de 2013

MUCOJO - VIRAR À DIREITA, por Duarte Pereira


Foto de autor desconhecido

VIRAR À DIREITA

COMO CALCULAM A ÚLTIMA PARTE DA ESTRADA ATÉ AO MUCOJO AINDA NÃO TINHA SIDO CONCLUÍDA, MUITO LONGE DISSO.
 
EM FRENTE ERA O MAR, PARA A ESQUERDA ERA A ESTRADA (PICADA) QUE NOS LEVAVA AO QUITERAJO.
 
PARA A DIREITA, HAVIA UMA PICADA QUE EU OLHAVA COM INTERESSE.
NÃO SEI EM QUE ALTURA OU QUE ANO, NÃO DEVE TER SIDO NO PRINCIPIO DA COMISSÃO, PORQUE AINDA NÃO TÍNHAMOS A FALSA CONFIANÇA DE SEGURANÇA.
 
AGARRÁMOS NUM OU DOIS UNIMOG COM TODO O ARMAMENTO E FOMOS EXPLORAR.
DEPOIS DE UNS QUILÓMETROS CHEGÁMOS A UM ALDEAMENTO DE PESCADORES. PARECIDO COM O MUCOJO, MAS DIFERENTE.
 
DEPOIS DE VERIFICAR O QUE SE PESCAVA, NÃO É QUE ENCONTRO UM PESCADOR QUE VENDIA LULAS GRANDES.
INFELIZMENTE NÃO TINHA MUITAS, EU TINHA DINHEIRO PARA DOIS TRÊS OU CINCO QUILOS, PARA VER SE NO ALTO DA PEDREIRA TODOS CONSEGUIRIAM PROVAR.
 
INFELIZMENTE SÓ DEVE TER DADO PARA OS MESMOS DO (COSTUME).
FORAM COMIDAS GRELHADAS COM MARGARINA.
LIMÃO NÃO HAVIA PENSO EU.
COMO FOI A PRIMEIRA E ÚLTIMA VEZ QUE COMI AQUELE "BICHO" NÃO DEU PARA ESQUECER.
 
O FERNANDO LOURENÇO QUE ESTEVE UNS MESES COM UMA SECÇÃO NO MUCOJO, DEVIA CONHECER BEM AQUELA ZONA.
 
PARA FINALIZAR VEJAM BEM O QUE IA NAS NOSSAS CABEÇAS PARA ANDAR POR CAMINHOS NÃO AUTORIZADOS.
 
SE OS CONDUTORES SE RECUSASSEM EU NÃO PODERIA OBRIGÁ-LOS.
"PANCADAS" DA NOSSA JUVENTUDE...
 
Duarte Pereira (20130805)

sábado, 17 de agosto de 2013

O PRIOR E O MACACO, por Paulo Lopes

Foto de Luís Leote
Aguardavam-nos redobradas noticias atrasadas, decerto, mas para nós tanto fazia: queríamos noticias.
 
Queríamos carinho.
 
Queríamos o nosso tempo semanal de conforto e amizade que normalmente vinham bem comprimido nos envelopes.
 
Provavelmente algumas mentiras, mas pouco nos importava.
 
Pelo menos estávamos a relembrar-nos das nossas gentes, dos nossos sítios, do que afinal, era do nosso peito.
 
Nesta Quarta-feira, vindo no táxi aéreo, tivemos a visita de um companheiro do Exército, mas julgo eu, fora do contexto de guerra: um Capitão, mas de uma arma totalmente adversa a esta zona e mais propicia a outras paragens: o capelão!...
 
Vinha com uma missão deveras difícil de cumprir:
— Purificar os pecadores.
— Salvar as almas.
— Abençoar as armas (???...).

 Decerto que a ideia deste Capitão capelão, não era de incutir-nos mais eficácia nos combates ou frieza nos corações para matar, mas sim dar-nos algum conforto de espírito, pois, apesar de tudo, ainda havia quem acreditasse nas palavras deles —padres— e talvez, quase todos tivessem fé em qualquer coisa.
 
Só ele sabe qual a razão da sua primeira e única visita a este seu rebanho deixado ao acaso no meio do nada, para lá do fim da linha.
 
Infelizmente, para estas almas penadas, o capelão não trouxe o milagre do fim da guerra.
 
Mal ficámos apresentados ao nosso pastor e já estávamos com outra mensagem em cima da mesa do capitão —este doutra Bíblia— a discutir os inevitáveis preparativos para mais uma operação.
Pela zona demarcada na mensagem, adivinhava-se uma operação de passeio e de piquenique, não fossem as noites ao relento passadas em camas demasiado picantes e claro está, não houvessem situações anormais que afinal, também eram férteis nessas operações consideradas “fáceis”!...

Fácil ou não, lá fomos nós para mais quatro dias ao acaso.
 
A missa tinha de esperar! A purificação dos nossos espíritos ficava para mais tarde!...
As nossas almas seguiriam para outros lados. Outras vozes que mandavam neste rebanho, falavam mais alto que a voz divina e nem tão pouco haveria espaço para, com firme certeza, dizer que ainda viriam assistir a alguma missa!...
 
Que Deus nos proteja! A nós e aos guerrilheiros inimigos que possamos encontrar!...

Como já calculávamos, e calorosamente desejávamos, nada de anormal se passou até porque, para além de já termos “batido” aquela zona por diversas vezes e por isso ser-nos bem conhecida, também era uma área de mato rasteiro, planície quase árida, com pouco arvoredo de grande porte, o que não deixava margem para qualquer base ou posto avançado estacionar por ali, tal a visibilidade existente a longa distância, proporcionando também uma imprevisível emboscada.
 
Talvez por ser tão fácil ou porque já estávamos completamente distantes de nós próprios e esquecidos do nosso mau destino, ainda vínhamos longe da Mataca, mas já em sentido de regresso, já o nosso pensamento se divertia com uma maldade a fazer aos graduados que tinham ficado no estacionamento e, por tabela, ao capelão: a ideia veio do F……., furriel que vinha a comandar o terceiro grupo de combate.

Para passar da ideia à pratica, era necessário ir à “caca”!...

Caçada bem fácil, pois o animal escolhido para o “sacrifício” era abundante naquela zona e quase lhes tocávamos com a mão.
 
A nossa presença não era suficiente para os assustar de forma a que desse origem a sua rápida fuga.
 
Apenas o faziam quando estávamos bem perto deles e era preciso que estivessem no solo porque, quando estavam nas árvores, mal nos ligavam.
 
E por todas estas razoes era fácil um tiro certeiro, mas diga-se, ninguém os caçava a não ser alguns animais ferozes e porque tinham fome ou então nós, porque não estávamos, decerto, com todas as nossas capacidades de ser humanos e o nosso vegetar por aquela vida obrigava-nos a colocar as situações mais graves e desumanas, no mesmo patamar de qualquer faceta mais inocente.
 
Quando nos esquecíamos de nós próprios e o pensamento não existia antes da ação, tanto nos fazia beber uma cerveja, como matar qualquer animal apenas para ver se a arma estava certeira ou se estávamos com pontaria!...
 
Desta vez não pensámos como seres que julgamos ser, mas apenas no prazer de pregar uma partida. E então, quase em uníssono, o F……. e outro soldado do seu grupo, mataram dois desses animais: Macacos!...

Dois tiros certeiros e já esta: dois macacos inertes no chão!
Naqueles anos perdidos da minha vida, conforme mais o tempo avançava, consoante os acontecimentos entupiam o sentimento e o espaço no coração, tudo se tornava fácil e o surgimento de situações que realmente me comovessem, tornavam-se nulos, mas o episódio que presenciei após a queda dos animais, fez com que parasse no tempo e pensasse em nós, os homens, os ditos animais racionais: era natural que os outros macacos do bando, ao ouvirem os tiros, fugissem para qualquer lado, mas não!...
 
Além de não fugirem, dois ou três deles, correram para junto dos seus semelhantes abatidos e como qualquer pessoa, debruçaram-se sobre os corpos inertes. Pegaram nos braços deles e iam arrastá-los, e se não fosse outro tiro para o local e a correria do F……., com gestos e gritos para os afugentar, decerto os levariam.
 
Mesmo assim, não arredaram pé, mantendo-se bem perto do F……. quando este apanhava do chão os infelizes animais.
Enquanto nos afastávamos, o bando emitia gritos e gemidos como se fossem pessoas lamentando a morte dos seus. Não sei qual a intenção do bando de macacos querer levar os que estavam mortos.
 
Não tenho qualquer conhecimento do seu modo de vida. Mas os gemidos por eles emitidos, arrancaram lágrimas que humedeceram os meus olhos e penso mesmo que não só os meus!
 
Estranhamente, torna-se mais difícil descrever este episódio do que quaisquer outro que tivesse acontecido durante um ataque. Talvez pela indefesa total do animal ou talvez pela forma como presenciei aquela unidade de grupo.
 
São daquelas passagens da nossa vida que não mais vamos esquecer. Pelo que ela contem, pelo sentido diferente das palavras e como elas se unem: o triste e ao mesmo tempo belo da natureza animal.
 
Imperdoável a nossa atitude. Lamentável a nossa ação. Estou em crer que nem o F……. nem nenhum de nós previa a importância do ato.
Infelizmente, esta passagem teve um impacto pouco duradouro porque a terra continuava a girar, o sol continuava a brilhar e o nosso dedo indicador continuava nervoso e constantemente preso ao gatilho da G3 que, sempre em posição de rajada, esperava apenas uma simples pressão para vomitar todo o seu conteúdo recheado de morte.
 
Tal como a terra, também a guerra continuava a girar.
Na verdade, para nós, naquele mundo em que vegetávamos, fora do tempo, da vida, da origem das coisas e da força do ser, esquecendo até que havia o amanhã, pouco nos importava os pobres animais.
Se é que alguma coisa ou facto ainda tinha alguma importância para nós!
O presente e o minuto vivido e o futuro era o quase imediato.
No nosso pensamento, estava agora e em causa, a “partida” que íamos pregar na malta: uma bela patuscada!
Chegados ao aquartelamento, o F……., com a nossa participação e conivência, continuou com o seu projeto, dando a conhecer a todos os graduados que se tinha apanhado dois coelhos para se fazer um petisco. Os bichos foram entregues ao primeiro-sargento que de imediato entrou na paródia, para que este, exímio cozinheiro de patuscadas —notava-se que gostava de comer a avaliar pela sua formosa barriga, tendo em conta que gordura e formosura— fizesse um belo “coelho à caçadora”.
 
Entretanto fomos dando dois dedos de conversa com o Capitão capelão.
Dava perfeitamente para entender que era um homem de não tiranizar ninguém nem tão pouco apresentar a força divina com a sua força de galões de capitão.
 
Tinha uma candura ingénua de jovem eclesiástico não tendo, no entanto, a boca constantemente cheia de milagres.
Sabia bem o que estava a fazer e qual a sua missão: era apenas um “pastor” de ovelhas fardadas e sabia que, naquele local de cheiro a guerra, nem todos acreditavam nas suas palavras.
 
Eu, pelo que me diz respeito, apenas ponho em causa o seguinte e que não consigo compreender muito bem: se do outro lado da guerra, dos que teimosamente tinham o cognome de "turras", existe outro qualquer padre, pedindo ao mesmo Deus exatamente a mesma proteção para os seus homens, como é que o bom Deus iria resolver esta questão?...
Que lado ele defenderia?...
Que homens mereciam a sua salvação?...
Será que conseguira terminar o conflito entre as partes terrestres?...
 
Pelo menos, até agora, não conseguiu por termo à ganância dos poderosos que, aliás, a grande maioria deles, se não todos, são muito dados a essas bênçãos do Céu, quando mostram o lado falso da sua face oferecendo este mundo e o outro aos altos eclesiásticos!...
Será que até ao bom Deus eles conseguem enganar?...

E lá fomos conversando.
Laracha daqui, laracha dali, até que veio a “ordem” para inicio da festa: —O petisco esta pronto!...

Todos os graduados, sem exceção, nem mesmo os sabedores do que estava dentro das travessas pronto a ser servido, se fizeram rogados aos pretensos coelhos!...
 
Estranhamente ninguém se lembrou que, coelhos, e desconheço a razão, foi animal que nunca foi visto em todo o enorme palmilhar que fizemos ao longo de toda aquela selva, provavelmente porque, se alguma vez existiram, pela sua fraqueza defensiva, depressa foram dizimados e extintos pela enorme quantidade de animais esfomeados, de tais apetitosas presas, que abundavam naquelas matas!!!...
O certo e que todos comeram alegremente e os comentários fugiam sempre para os mesmos adjetivos:
— Maravilhoso.
— Delicioso manjar.
— Ricos coelhos.
— Divinal.
— Porra que esta merda está boa!
O F……., como era habito nas chegadas das operações, já não estava com todos os seus sentidos a trabalhar em pleno.
 
Ria a bom rir, gozando deliciosamente a sua “partida” mas, tal como todos os outros, encharcava o pão no delicioso molho de “macaco a caçadora”!...
Não sobrou nada! Se mais houvesse, mais iria!...
O pior veio a seguir: na continuação da sua maquiavélica “construção”, o F….. saiu da mesa e apareceu um pouco depois com uma bandeja onde trazia, não uma quaisquer sobremesa para terminar a patuscada, mas sim, as cabeças dos desgraçados macacos!...
 
E para colocar um pouco mais de “pimenta” no seu cenário, só por si, bastante elucidativo, uma das cabeças vinha com um cigarro aceso na boca como que a gozar o espetáculo que se seguiria: os sabedores do que tinham estado a comer, riam-se ás gargalhadas.
 
Os outros, que pensavam ter acabado de se deliciarem com coelho, depressa transformaram essa guloseima em mau estar.
Sofreram um impacto digestivo que, não fosse o “restaurante” ter um “parque de estacionamento” do tamanho do mundo e não haveria lavabos que chegassem para tanto vomitar!...
 
A maior vitima foi o capelão que, coitado, enquanto ficou na Mataca, o que durou ate à chegada do táxi aéreo das quartas-feiras, não conseguiu comer nada que se pudesse chamar realmente de comer!...
 
Tudo vomitava!
 
Espero que nos tenha perdoado e nos mantenha nas suas orações diárias que, presumo, as tenha, e esqueça esta pequena maldade praticada por este seu rebanho de lobos com pele de cordeiros...

(ou será que é ao contrario?!!!).

 
Paulo Lopes (20130817)

quinta-feira, 15 de agosto de 2013

SALIM, por Fernando Lourenço



Salim, creio ser o nome deste amigo que por lá deixei e não mais soube dele.

Culpa minha.

Era pescador, passámos muitas horas a conversar sobre todo o tipo de temas.

Foi o meu primeiro contacto com alguém com a religião e tradição muçulmana.

Fui ao seu casamento.

Muçulmano claro.

Que teve a particularidade de os convidados principalmente os familiares mais próximos, tanto dele como da noiva, ficarem à porta de casa à espera que ele viesse mostrar que o casamento tinha sido consumado, mostrando o lençol!...

Fernando Lourenço (20130704)

 

quarta-feira, 14 de agosto de 2013

COMO TUDO COMEÇOU!..., por Duarte Pereira

Duarte Pereira
Duarte Pereira, in Facebook


COMO TUDO COMEÇOU!...

JÁ FOI HÁ MAIS DE UM ANO. 


DOIS OU TRÊS DE NÓS TROCÁVAMOS MAIL...

NA ALTURA JÁ TINHA FACEBOOK, MAS NÃO PERCEBIA NADA DAQUILO, E RARAMENTE O ABRIA.

 
DIARIAMENTE ERA MAIL PARA CÁ E MAIL PARA LÁ. 
 
QUANDO NUM DIA, PENSO QUE APARECEU UMA MENSAGEM PARA ADERIR AO GRUPO DO BATALHÃO. 
 
DEVO TER SIDO O TERCEIRO OU QUARTO A ENTRAR.
 
AO FIM DE POUCO TEMPO JÁ ERA MAIS UM ADMINISTRADOR.
 
COMEÇAMOS DEVAGARINHO A COLOCAR FOTOS, E EU NADA.
 
NÃO TINHA O SCÂNER.
 
TIVE NECESSIDADE DE AULAS, PARA APRENDER A COPIAR, COLAR E A MINHA MULHER QUE FAZIA ISSO NO SERVIÇO, TEVE DE ME ATURAR.
 
DEPOIS TIVE AULAS DE DIGITALIZAÇÃO, COM UM PROFESSOR PARTICULAR.
 
COMO AO PRINCÍPIO A MATÉRIA NÃO ERA ABUNDANTE, COMECEI A ROUBAR FOTOS E TEXTOS DA INTERNET.
 
ARTIGOS SOBRE COMIDA, BEBIDA E ATÉ ANEDOTAS. ERA UMA ESPÉCIE DO JORNAL "PÚBLICO".

SIM.
 
O CAPITÃO PARDAL AO CRIAR A PÁGINA, TEVE EM MIM UM SEGUIDOR.
 
QUE JÁ TEVE MUITAS CRÍTICAS AQUI EM CASA, NA PRÓPRIA PÁGINA E ATÉ NO EXTERIOR.

ENQUANTO ME SENTIR BEM E O COMPUTADOR AGUENTAR, ANDAREI POR AQUI!...
 
Duarte Pereira (20130809)