quarta-feira, 12 de fevereiro de 2014

O arrear da Bandeira, pelo Gilberto Pereira

 
VOU CONTAR UMA HISTÓRIA AO PARDAL E AO DUARTE:
 
Um dia à hora de arrear a bandeira, eu estava de Sargento Dia e acho que o Cabo Dia era Silva e o pelotão sapadores e o "pelrec" estavam fora, logo os dois, que tinham essa missão.
 
Como não chegavam, eu disse ao cabo para arranjar aí uma malta para irmos arrear a bandeira.
 
Então apareceram escriturários, impedidos, cozinheiros, eu sei lá--- fiquei a olhar para aquilo, uns de farda nº 2 outros com a nº 3, uns de botas, outros de alpercatas enfim...
A corneta tocou e lá foi aquela "cowboiada" toda; esquerda, direita, esquerda. direita.
 
Quando á voz de alto, iam caindo em cima uns dos outros.
À voz de direita volver, uns ficaram virados para a bandeira, outros ao contrário.
Imaginem o que eu não lhes disse.
 
Nessa altura, já tinha visto o Comandante a espreitar da janela, logo vi que ia sobrar para mim...
Acenei ao clarim para dar o toque para arrear e depois na voz de direita volver, um que não me lembro quem era, até ficou virado pro Subtil e até lhe disse: estás com fome?
 
Começaram a marchar passos trocados...
 
Nisto o comandante abriu a janela, e á voz de ombro arma, um ficou com a arma que parecia que ia aos pardais...
Nisto só ouvi a voz do comandante: nosso furriel, depois venha ao meu gabinete.
E aquela escumalha, lá chegou ao portão todos contentes a pensar que tinham feito um figurão.
 
Destroçar.
Aí é que eu lhes disse, o que nem o diabo gostava de ouvir!!!! 
 
2ª parte
 
E agora falta o mais difícil, disso eu tinha consciência: que fazer? o que me vai acontecer?
 
Pensei rápido, puxei a culatra atrás e lá fui: Entrei no gabinete do Comandante com a performance dum militar de carreira.
Ele estava atrás da secretária, levantou-se e disse-me tanta barbaridade e cada uma eu respondia: sim meu Comandante.
Estava a ficar irritado com a minha resposta que era sempre a mesma, de repente saiu detrás da secretária e veio posicionar-se á minha frente, encostou o nariz dele, quase ao meu e nessa altura eu pensei em milésimos de segundo, se me tocas, um passo atrás e adeus meu Comandante.
 
Mantive-me firme e ele disse-me em voz alterada: Voçê é uma porcaria, vou mandá-lo para a chefina e despromovê-lo.
E eu respondi: sim meu Comandante.
E ele disse: desapareça.
E eu respondi: sim meu Comandante.
E saí porta fora.
 
Passados dias outra evacuação para Nampula:
Estadia de 6 meses.
FURRIEL SOFRE..............
 

Foto de Gilberto Pereira.
 

terça-feira, 11 de fevereiro de 2014

Visita do Capelão, por Paulo Lopes

 
Paulo Lopes - 28 de Janeiro de 2014 16:29 

Nesta Quarta-feira, vindo no táxi aéreo, tivemos a visita de um companheiro de exército, mas julgo eu, fora do contexto de guerra: um capitão, mas de uma arma totalmente adversa a esta zona e mais propicia a outras paragens: o capelão!...
Vinha com uma missão deveras difícil de cumprir:

— Purificar os pecadores.
— Salvar as almas.
— Abençoar as armas (???).

Decerto que a ideia deste capitão capelão, não era de nos incutir mais eficácia nos combates ou frieza nos corações para matar, mas sim dar-nos algum conforto de espírito, pois, apesar de tudo, ainda havia quem acreditasse nas palavras deles —padres— e talvez, quase todos tivessem fé em qualquer coisa.
 
Só ele sabe qual a razão da sua primeira e única visita a este seu rebanho deixado ao acaso no meio do nada, para lá do fim da linha.
 
Infelizmente, para estas almas penadas, o capelão não trouxe o milagre do fim da guerra. 

Mal ficámos apresentados ao nosso pastor e já estávamos com outra mensagem em cima da mesa do capitão —este doutra Bíblia— a discutir os inevitáveis preparativos para mais uma operação.

Entretanto fomos dando dois dedos de conversa com o capitão capelão.
Dava perfeitamente para entender que era um homem de não tiranizar ninguém, nem tão pouco apresentar a força divina com a sua força de galões de capitão.
Tinha uma candura ingénua de jovem eclesiástico não tendo, no entanto, a boca constantemente cheia de milagres.

Sabia bem o que estava a fazer e qual a sua missão: era apenas um pastor de ovelhas fardadas e sabia que, naquele local de cheiro a guerra, nem todos acreditavam nas suas palavras.

Eu, pelo que me diz respeito, apenas ponho em causa o seguinte e que não consigo compreender muito bem: se do outro lado da guerra, dos que teimosamente tinham o cognome de turras, existe outro qualquer padre, pedindo ao mesmo Deus exatamente a mesma proteção para os seus homens, como é que o bom Deus iria resolver esta questão?
Que lado ele defenderá?
Que homens mereciam a sua salvação?
Será que conseguira terminar o conflito entre as partes terrestres?
Pelo menos, até agora, não conseguiu por termo à ganância dos poderosos que, aliás, a grande maioria deles, se não todos, são muito dados a essas bênçãos do Céu, quando mostram o lado falso da sua face oferecendo este mundo e o outro aos altos eclesiásticos!
 
Será que até ao bom Deus eles conseguem enganar?
E lá fomos conversando.
Laracha daqui, laracha dali, até que veio a ordem para inicio da festa.

paulo lopes
in"Memórias dos Anos Perdidos ou a Verdade dos Heróis"

segunda-feira, 10 de fevereiro de 2014

Sei que... por Duarte Pereira


NÃO ME LEMBRO !!! NÃO SEI !!! JÁ ESQUECI !!

SEI QUE TÍNHAMOS COLUNAS PARA FAZER.
SEI QUE TÍNHAMOS DE FAZER PROTEÇÃO ÀS OBRAS DA ESTRADA.
SEI QUE NOS PRIMEIROS TEMPOS VÍNHAMOS TODOS OS DIAS DORMIR A MACOMIA....
SEI QUE A PARTIR DE UMA CERTA ALTURA PASSAMOS A DORMIR NO MATO, JUNTO À ESTRADA.
SEI QUE A ESTRADA IA ANDANDO E A NOSSA VELOCIDADE NO REGRESSO AUMENTANDO.
SEI QUE SÓ PICÁVAMOS PARA LÁ. OS TURRAS PARA NÓS SÓ DEVERIAM TRABALHAR À NOITE.
SEI QUE NÃO ME LEMBRO DE ESTAR NO MATO ENQUANTO AS MÁQUINAS TRABALHAVAM.
SEI QUE NÃO SEI COMO PASSAVA O TEMPO NO ALTO DA PEDREIRA.
SEI QUE NÃO SEI O QUE FARIA NO ALTO DA PEDREIRA
SEI QUE QUANDO SAÍA DA PEDREIRA PARA MACOMIA OS CARROS DEVERIAM VIRAR À DIREITA E MUITAS VEZES " TEIMOSAMENTE" VIRAVAM À ESQUERDA PARA O MUCOJO.
SEI E CALCULO QUE TENHA FEITO ALGUMA COISA, MAS A MINHA MEMÓRIA NÃO ME AJUDA. NOS ALMOÇOS TENHO PEDIDO AOS ELEMENTOS DOS DOIS PELOTÕES POR ONDE PASSEI QUE ME CONTEM EPISÓDIOS, OFICIAIS OU NÃO . TENHO TIDO POUCO SUCESSO. JÁ PASSARAM QUASE QUARENTA ANOS.
SEI QUE O AMÉRICO COELHO SE DEVE LEMBRAR DE "UMAS COISAS," MAS JÁ DEVE TER APAGADO.

sábado, 8 de fevereiro de 2014

A UM PRESSENTIMENTO, por Paulo Lopes



A UM PRESSENTIMENTO

A primavera aproxima-se
vestida de um pressentimento
negro
e dos olhos do amor
com medo de morrer
caíram lágrimas vivas
que não molharam
mas destruíram
as flores
mesmo antes de nascerem.

Felizmente
nem as flores
têm destino pré-marcado.

paulo lopes 1974 (em Cabo Delgado - Moçambique)

sexta-feira, 7 de fevereiro de 2014

VÍDEO QUE MEXE COM OS NOSSOS SENTIMENTOS, por João Marcelino


 
O VIDEO APRESENTADO PELO JOSÉ CAPITÃO PARDAL, RELATIVO AOS EX-COMBATENTES, TEM ALGO QUE MEXE COM OS NOSSOS SENTIMENTOS,...

SE ANALIZAR-MOS BEM, ESTE HOMENS QUE ERAM UNS MENINOS, QUANDO FORAM OBRIGADOS A DEIXAR DE VIVER A SUA MOCIDADE, TAL COMO NÓS FORAM LEVADOS INVOLUNTÁRIAMENTE PARA UMA GUERRA SEM PRECEDENTES E SEM FUTURO.
 
SOFRERAM, ARRISCARAM AS SUAS VIDAS, FICARAM COM SEQUELAS TRAUMÁTICAS PRÓ RESTO DA VIDA E COMO SE NÃO BASTÁSSE, TRANSPORTAM AINDA HOJE NO SEU INTERIOR UMA GUERRA INTERMINÁVEL DE REVOLTA!...

TODOS NÓS SABEMOS QUE OS RESPONSÁVEIS POR ESSA GUERRA, JÁ NÃO ESTÃO ENTRE NÓS.
 
MAS SEM QUALQUER TIPO DE DEMAGOGIA, DIREI ALTO E BOM SOM:
APÓS O 25 DE ABRIL ONDE ESTÃO OU,QUEM FORAM OS POLITICOS DOS SUCESSIVOS GOVERNOS, QUE SE MOSTRARAM PREOCUPADOS COM OS EX-COMBATENTES DO ULTRAMAR?
QUEM FORAM OS POLITICOS QUE SE PREOCUPARAM COM RESULUÇÕES DE FUNDO COM ESTE TIPO DE SITUAÇÕES?..... 
 

O GRANDE PROBLEMA DOS POLITICOS É TEREM A MEMÓRIA CURTA E A LÍNGUA BASTANTE COMPRIDA.
EM ALTURA DE CAMPANHAS ELEITORAIS TUDO PROMETEM, DEPOIS TUDO SE ESQUECEM !..

Por: João Marcelino
31/01/2014

 

terça-feira, 4 de fevereiro de 2014

A procissão, com capelão e tudo, em torno do morteiro 81, por Horácio Cunha...


Horácio Cunha 28 de Janeiro de 2014 16:19

Alto da Pedreira
 
- A fé e a guerra.
Uma procissão realizada no Alto da Pedreira em que a fé e a guerra estão de mãos dadas, com essa procissão a passar mesmo ao lado dos abrigos dos morteiros 81 — com Pedro Coelho e Americo Coelho.
A procissão a passar ao lado dos abrigos dos morteiros 81, cobertos com oleados.
Apesar da foto ter sido tirada à distância, podemos observar a opa branca do capelão entre o pessoal. Enfim... contingências do contexto.

Horácio Cunha comentou a sua publicação no grupo BATALHÃO DE CAVALARIA 3878.

Lá haver, havia, como dizia o outro.
Não sei quantos, mas não me parece que houvesse abrigos para as respectivas granadas.
Estas, certamente, estariam junto do próprio morteiro e não em abrigos individualizados como mostra a foto.
Certo estou a especular e a dizer uma grande asneira.
Esta não era a minha área.
Que me perdoem os especialistas nesta matéria.

Histórico de comentários

Duarte Pereira 28 de Janeiro de 2014 16:54

ENQUANTO LÁ ESTIVE SÓ HAVIA UM MORTEIRO 81.
AS CAPAS ESTARIAM A TAPAR AS GRANADAS.
COMIGO NÃO DISPAROU, MAS ESTEVE MESMO QUASE, QUANDO UM GRUPO DE COMANDOS FOI CAÇAR À NOITE (LAMPEIO ) PARA A ESTRADA.
O PESSOAL DE TRANSMISSÕES RESOLVEU.
MACOMIA NÃO SABIA NADA, MAS CÁ O "ESPERTO DO JE"  PEDI PARA LIGAR PARA OS COMANDOS (ALTAMENTE SUSPEITOS)

Horácio Cunha 28 de Janeiro de 2014 16:53

Muito bonito e muito adequado este extracto do amigo Paulo Lopes (ler em post próprio).
Uma confirmação do que acima referi - contingências do contexto.
Obrigado por este momento.
  • Devo confessar que o Paulo Lopes me pôs a ler por duas vezes o texto (neste caso o Duarte Pereira que o recuperou). Não tinha lido assim como não tinha visto a fotografia do Horácio Cunha.

  • Este sim, este texto teria o meu voto para ir para o blog do Jose Capitao Pardal.
    Os meus parabéns.

  • Foto de Fernando Lourenço.
     
    Fernando Lourenço Quanto a morteiros... olha para este Horácio Cunha, ainda por montar no seu lugar no Alto da Pedreira em construção.

    domingo, 2 de fevereiro de 2014

    Leões Mágicos de Muidumbe..., blog "Diário de um Sociólogo"

    Para aqueles que ainda não tenham ouvido, aqui vos deixo a história dos "leões mágicos", ocorrida na zona de Muidumbe, em Cabo Delgado, norte de Moçambique, contada no blog "Diário de um Sociólogo"...

    ........///......
    Entre Junho de 2002 e Maio de 2003, sete leões provocaram pânico generalizado durante vários meses no distrito de Muidumbe, província de Cabo Delgado, com uma população de cerca de 63.000 pessoas. Comeram 46 pessoas e feriram outras seis.
     

    Na altura havia fome nesse distrito de agricultura de subsistência à base de milho e com 60% de analfabetos.
    Campeava a seca.
    Mas não só: a guerra civil afastara as pessoas da região durante alguns anos.
    Finda a guerra, elas regressaram e encontraram um ecossistema onde os animais viviam, onde os leões tinham antílopes para comer.
    O regresso dos humanos desarticulou o habitat dos animais, os antílopes afastaram-se.
    Os leões passaram a caçar, então, os humanos.
    Acontece, porém, que o comum dos mortais locais não tomou em consideração essas subtilezas do meio-ambiente e achou que os leões eram magicamente comandados à distância por outros seres humanos ou que eram pura e simplesmente pessoas encarnadas em leões. Impotentes, habitantes enfurecidos deram então curso à catarse, espécie de rito de purificação social total, linchando 18 dos seus compatriotas, acusados de participarem no comando.
    Todavia, os principais acusados de comandarem os leões à distância eram pessoas bem distintas: o administrador distrital, os régulos, membros do partido no poder, um comerciante, etc.
    O administrador foi acusado de ter sacos de dinheiro, de possuir um helicóptero silencioso e invisível, de fazer negócios estranhos com os “brancos”.
    Um doente mental foi também acusado, coisa anómala.
    Todavia, essa figura pertencia igualmente à família perturbadora da alteridade da crise.
    Foram chamados os curandeiros para aplacar o mal.
    As mortes aumentaram de número.
     
    Dois caçadores vieram muito tempo depois, meses depois, após montes de burocracia de permeio finalmente vencida (a sede da administração distrital não possuía uma única espingarda) : os leões foram abatidos, pânico e chacina terminaram.
    Estamos perante uma crença irracional?
    O fundamental a reter aqui é que os principais acusados de comandar os leões à distância eram figuras do Estado ou a ele associadas ou com “bem-estar” acima da média local (o comerciante).
    Numa situação de crise, de eclipse do social, os pobres lançaram aos ricos a culpa do seu mal-estar e das suas privações. E, sobretudo, foi clara a sua mensagem: o Estado afastara-se deles, não atalhou o mal a tempo.
    Assim, as figuras do Estado, a figura do comerciante (acusado de usar a magia para enriquecer), figuras do bem-estar, surgiram aos olhos dos camponeses, em meio à sua privação, como intrusos perigosos, como a substância plena de uma alteridade subversiva, desestabilizadora.
    Uma linguagem errada para traduzir um problema real, o da privação.

    Colegas: a crise social e a busca de bodes expiatórios têm belos momentos de análise em Edgar Morin e René Girard. Farei correcções oportunamente.
    Referências:
    “Questão de fundo”, Rádio Moçambique, 29/11/2003, 20 horas
    http://www.ics.ul.pt/agenda/seminarioantropologia/pdf/GovernYourselves.pdf

    sexta-feira, 31 de janeiro de 2014

    Tom & Jerry, por Fernando Lourenço


     
    Dedicado ao Gilberto Pereira e restantes.
    Uma coisa mais levezinha.
    Abraço e até amanhã.

    Tom & Jerry

    Para os apreciadores dos "verdadeiros" desenhos animados, aqui vai um "bombom"!...

    Depois de muita, intensa e cansativa busca lá consegui encontrar a única cópia completa e em condições perfeitas, deste extraordinário desenho animado – concebido e realizado em 1946!...
     
    Desde a qualidade do desenho (que era pacientemente feito e pintado à mão, em celuloide) à qualidade do esplêndido humor e imaginação em todas as sequências (atente-se no ar enfatuado do gato, no início do concerto) em todas as notáveis expressões dos dois intervenientes, na qualidade do décor, nos variados planos de imagem, nas perspetivas e tomadas de vista “da câmara”.

    Repare-se na irreverência, no final extenuado e sofrido do infeliz gato, no ritmo da ação, aceleradamente alucinante, uma coisa absolutamente cinematográfica.
    Mas sobretudo... Deixei para o fim porque será talvez a característica mais notável desta realização – repare-se sobretudo no sincronismo sensacional da execução musical, a relação imagem/música, por entre todos os gags e todos os pormenores das intervenções das duas únicas personagens.

    Este filme ganhou um Óscar nesse mesmo ano, mas mais importante do que isso, fez parte da infância de alguns de nós.