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quinta-feira, 5 de julho de 2018

A Compreensão da Guerra, por José Nobre



O José Nobre escreveu este texto de uma qualidade impressionante sobre a realidade que viveu...

Ele esteve em Muidumbe (Cabo Delgado - Moçambique), que distava não mais de 40 quilómetros de onde eu estive (Chai), possivelmente em épocas diferentes, dado que o aquartelamento de Muidumbe foi abandonado, creio que antes de Fevº de 1972.
40 quilómetros de picada com uma paisagem deslumbrante, mas de perigos escondidos em cada metro que pisávamos.
Mas o texto posso subscrevê-lo, senão na totalidade, pelo menos em muitos dos sentimentos que a maioria de nós trouxe daquela terra (Moçambique) que nos fez sofrer, mas que aprendemos a amar com todas as nossas forças.
Bem hajas José Nobre...

Jose Capitao Pardal



José Nobre

A Compreensão da Guerra.
Paris – 25 de Abril de 1970.
Pela primeira vez o meu pai questionou-me sobre a guerra, a minha guerra em terras moçambicanas.
Era o dia do seu aniversário. 
Até esse dia, raramente falei da guerra, a interior e a outra, a das armas. 
Estávamos os dois sentados à mesa, enquanto a minha mãe preparava o bacalhau cozido com batatas.
- Nunca falas da guerra em Moçambique.
- Não tenho nada para contar, pai. Voltei e isso é o mais importante.
Calei-me,não sabia o que dizer, o que responder. 

Seis meses depois da minha chegada a Lisboa, depois de ter deixado o navio Niassa, ancorado no caís de Alcântara, vazio, de todos os gajos que corriam para abraçar aqueles que os esperavam. 
Não sabia por onde começar. 
Dizer-lhe que fiz uma coluna militar de Lourenço Marques até Mueda, quase três mil quilómetros de picadas. 
Não te vou contar, guardo essa história só para mim.

Sabes pai, é como ir de Lisboa a Berlim, por estradas de terra batida. 
É veres a riqueza dos colonos portugueses, as grandes plantações de algodão, de café, de ananás, de laranjeiras e de milho. 
É veres a miséria daquele povo negro, que trabalhava desde o dia nascer, até o sol se esconder. 
Não quero chorar, pai, não quero falar das crianças, sim das crianças que nós vimos morrer, e dos comentários que ouvi, “é menos um turra,” diziam. 
Queres que eu te descreva as paisagens moçambicanas? 
Não consigo. 
As trovoadas eram como fogos de artifício, e o cheiro a terra molhada, vermelha, aquela terra que nada tinha a ver com a nossa, mas que me ficou agarrada à pele, ainda hoje. 

Os pesadelos são menos frequentes, mas por estranho que pareça, tenho saudades da minha caserna de Muidumbe, saudades do cheiro da minha espingarda automática, a minha amiga G3, sempre oleada, sempre pronta a disparar. 
Não, não matei ninguém, ou então não sei. 
Numa emboscada, os tiros são tantos, que no final não sabíamos, quem matou quem. 
Não, eu não, só desfiz algumas árvores, estendido na picada, entre Mueda e Muidumbe, naquela tarde chuvosa, naquela emboscada que durou minutos. 
Horas? Não pensei em ti, nem na mãe, não pensei em ninguém. 
Estava ali, deitado na picada tentando sobreviver. 

Por vezes, acordo sobressaltado. 
Volto a Muidumbe, adormeci no abrigo, estou de vigia no posto número cinco, aquele, a norte do aldeamento, alguém cortou o arame farpado e rasteja na minha direção, agarro uma granada, tiro a cavilha, acordo.

Não te conto, pai, não irias compreender, mas não serias o único. 
No início tivemos medo, até da nossa sombra, cada negro era um “turra,” um inimigo, um gajo que nos queria tramar, mas, pouco a pouco compreendemos que os invasores éramos nós e que aquela terra não era nossa, a nossa terra. 
A população branca, os colonos,viviam a anos luz da realidade, nunca se aperceberam que aquela guerra não tinha solução, viviam embriagados pela vida que tinham nas grandes cidades, nas grandes fazendas, na vida mundana, nos bons restaurantes, nas grandes caçadas, conduzindo bons carros, gozando a vida. 
Vida de colono, como dizia o meu amigo, Augusto, condutor, como eu, e que fez comigo a travessia de Moçambique de sul para norte. “Estes gajos é que gozam a vida, têm as negras que querem, fazem filhos mulatos a torto e a direito, compram virgens em troca de um litro de azeite, ou de um garrafão de vinho, e nós é que morremos.”

Pai, não quero que conheças a desumanidade, a nossa e a da guerra, esquece a minha ausência. 
Não tenho palavras para te dizer o que senti o que sentia, o medo, a saudade e a angustia de mais uma noite que se adivinhava, igual a muitas outras. 

Posso contar-te uma história bem diferente daquela que vivi, mas não quero. 
Se soubesses a verdade, dirias que não, que não foi o teu filho que viveu aquela guerra. 
Nunca te contei, nunca te contarei.
Parabéns, PAI.
Apontamentos – Moçambique – 1967/1969 – França – 1970/1980.

segunda-feira, 8 de maio de 2017

Uma Guerra Deprimente..., por José M. Dionísio

Uma Guerra Deprimente...

MOTE

D’uma guerra deprimente
No antigo território Colonial
Na minha geração era normal
Ser herói/mártir noutro Continente


1
Fazer a vida militar
era uma obrigação,
pois na minha geração
não havia volta a dar,
todo o jovem lá ia parar
e dizer estou presente,
fosse saudável ou doente
só livre da tropa ficava
se alguém influente o safava,
D’uma guerra deprimente

2
Não se tinha a percepção
em nossa plena juventude,
não víamos na plenitude
os perigos que à frente estão.
Às vezes não dávamos razão
ao que era substancial,
por vezes levávamos a mal
aos conselhos que nos davam,
sobre os perigos que grassavam
No antigo território Colonial

3
Todos temos na lembrança
do tempo que durou a guerra,
muitos, longe da sua terra
em África marcavam presença,
com receio e com esperança
para nada correr mal,
era essa a questão essencial
chegar ao “Puto” são e salvo,
ir à guerra e ser um alvo
Na minha geração era normal

4
Ao estadista falta sensibilidade
tanto hoje como outrora,
nesse aspeto não há melhora
essa é a pura realidade.
Há falta de sensibilidade
sem dar valor à “Gente”(1),
era assim que antigamente
acontecia aos jovens de então,
fosse fraco ou valentão
Ser herói/mártir noutro Continente

(1),- Jovens que no meu tempo,
lutaram em terras de África

José M.Dionísio, Ago._2004

domingo, 6 de novembro de 2016

Mataca, onde é que isso fica..., por Paulo Lopes





Aproveito para dizer que a única parte que jeito tenha do texto que o amigo Jose Capitao Pardal relembrou aqui, é o que não existia: as fotos!

Obrigado Pardal só que, com isso e ao ver o campo de futebol de Porto Amélia, fez com que volte a incomodar a
s hostes com mais umas palavrinhas do dito livro (que o não é):

Na Beira, depois daquelas burocracias habituais e extremamente aborrecidas de fazer, soube quando partiria para Porto Amelia, no distrito de Cabo Delgado.



Para mim, completamente desinformado da geografia Africana, tal nome nada me dizia, mas como o mal logo se sabe, fiquei esclarecido e para que constasse, Cabo Delgado era um dos principais distritos do norte de Moçambique onde a guerra estava bem implantada.
Começava a acordar de vez!
Mas que poderia esperar um atirador?

Três dias depois, aterrava no Aeroporto de Porto Amelia, capital do distrito de Cabo Delgado.

Entre apresentações e avisos do que havia a fazer, depressa fiquei conhecedor do meu pouso definitivo: — MATACA, junto à Serra do Mapé.



Restava-me saber quando e como iria.
Ninguém me deu agradáveis noticias de tal paradeiro: Uns não conheciam tão pouco Mataca mas da dita Serra, não me auguravam nada de aceitável.
Outros diziam que era no meio do nada e simplesmente faziam uma careta expelindo dos seus lábios um enorme "chiiiiiiii", alguns, os mais conformados, diziam que era igual a tantos outros aquartelamentos espalhados pelas matas de Cabo Delgado.
Fiquei a saber o que já sabia...nada!

Vinha munido da morada de uma amiga que morava em Lisboa precisamente na minha rua e que tinha vindo procurar vida nova exactamente para Porto Amélia.
E então, assim que me vi livre dos meus deveres militares, tal provinciano chegado a uma grande cidade, sem conhecer nada nem ninguém, ai fui eu a procura do paradeiro da minha amiga de infância.

Felizmente para mim, Porto Amélia não era nenhuma grande cidade (até bem pequena) e foi fácil localizar o destino a que me propus.

Ela era professora no liceu de Porto Amélia e ele, o marido, além de trabalhar na fabrica de cerveja, treinava a equipa de basquetebol da terra e, talvez por isso, estava bem relacionado com civis e algumas altas patentes militares a quem me foi apresentando aos poucos.

Através dele, fui fazer um treino de captação na equipa de futebol de Porto Amelia, com o alento despoletado por falsa esperança vinda do marido da minha amiga, que isso me levasse a ficar por lá.



De todo impossível!
As cunhas não funcionaram, o que não era de estranhar, e como eu não apresentava assim tanto jeito para dar uns pontapés na bola que desse uma mais-valia a equipa da terra... tinha mesmo de ir para as trincheiras da guerra.





........
In "Memórias dos Anos Perdidos ou a Verdade dos Heróis"
paulo lopes

sexta-feira, 15 de maio de 2015

Algum coisa vai mal, não , muita coisa vai mal... neste reino de Portugal, por Leonel Pereira da Silva


O LEONEL PEREIRA SILVA NA SUA PRIMEIRA LONGA METRAGEM.

Leonel Pereira Silva Comentou hoje:

Alguma coisa vai mal, não, muita coisa vai mal, Gilberto Pereira.
Mas esta do abandono a que "todos" os politicos nos deixaram soa até a vingança, como se nós os ex-combatentes não "chicos" tivéssemos tido vontade própria de ser mobilizados.

Deixa-me desabafar o que senti logo no pós 25/4/74, uma vez regressado da guerra a casa dos meus pais, quando percebi que os principiantes de po...líticos que emergiam como moscas perante um monte de excrementos.

Cheguei a temer que esses oportunistas nos perseguissem, ou mandassem, claro.
Poderia, como talvez tu também, relatar aqui casos concretos de ex-combatentes que conheço que vivem situações complicadas assim com os seus famíliares, mas não vou alongar muito este desbafo, no entanto o último que tive conhecimento foi na passada semana dia 12/6, e, como está fresco e também porque me tem inquietado bastante vou partilhá-lo aqui na página.

Estava eu, depois do almoço a tomar o meu cafézinho e a dar uma olhada no jornal numa pastelaria onde vou quase diáriamente, quando na mesa ao lado, 3 pessoas que me pareceram ser um casal mais uma senhora, pessoas que não conheço, nem de vista, de idade ligeiramente superior à nossa e o tema da conversa era precisamente o "stress pós-traumático de guerra", a senhora que não tinha ali o marido, dizia para o casal entre muitas outras coisas que - há muito anos, mas agora duma maneira quase diária e com tanta intensidade e até violência o meu marido não descansa de noite nem me deixa descansar, que além de sonhar e ter pesadelos, que tem noites em que se levanta assustado mais que uma vez, estamos a passar muito mal com a situação - , quando questionada se ele não estava a ser acompanhado pelo médico, ela respondeu que sim mas que ultimamente ele tinha dias que se recusava a tomar qualquer medicamento.


Deu perfeitamente para perceber que é mais um caso entre tantos, e que já está a chegar ao limite do admissível.

Pedi licença para entrar na conversa e sugeri que fossem à liga dos combatentes a Leiria onde ele podia ser atendido e acompanhado por um médico da especialidade, pois sei que outros o têem feito com sucesso.

Desculpem o discurso e mal "amanhado" mas é na senda dos políticos que temos tido até aos dias de hoje.


Um abraço ao Gilberto Pereira e demais amigos aqui da folha.
  • Rui Briote Já comentei este muito bom texto...é para continuar...abraço

  • Velhas DE Estremoz Alentejanas É PRECISO APOIAR OS JOVENS COM TALENTO. CONTINUAMOS À ESPERA DO SR RIBEIRO DO CHAI., LIVRE PENSADOR??? SÓ PENSA PARA ELE !!!
     
  • Gilberto Pereira JÁ LI E COMPREENDO ESSES CASOS, REALMENTE HOUVE CASOS QUE DEIXARAM MAZELAS PARA TODO O SEMPRE E SEM ACOMPANHAMENTO PIOR, MAS NESTE PAIS É ASSIM NINGUÉM QUER SABER DE NINGUÉM, É UMA PORCARIA
     
  • Velhas DE Estremoz Alentejanas AINDA PODERÁ HAVER A REVOLUÇÃO DOS INCONFORMADOS JÁ COM UMA CERTA IDADE.
  • O SR JOÃO NOVO ANDAVA NESSAS LUTAS, AGORA PARECE QUE ANDA A APRENDER A DANÇAR E A TOCAR VIOLA, ENTRE OUTRAS COISAS "MAGANO" !!!
     
  • Rui Briote Estes casos de certeza que aumentarão, pois com o avançar da idade a falta de apoio, aliado à não existência de políticas humanas os desprotegidos vaguearão ao acaso..

sexta-feira, 20 de fevereiro de 2015

Camarada de Guerra, por António Lobo Antunes, em artigo de Duarte Pereira


Duarte Pereira
António Lobo Antunes
(escritor e antigo combatente)

Para definir camarada de guerra:
 
«Só quem esteve na Guerra compreende inteiramente o sentido: não é bem irmão, não é bem amigo, não é bem companheiro, não é bem cúmplice é uma mistura disto tudo com raiva e esperança e desespero e medo e alegria e revolta e coragem e indignação e espanto, é uma mistura disto tudo com lágrimas escondidas.»

E, para definir a ausência na guerra:

«Não conheço uma única pessoa que tenha passado por aquele horror na qual não exista uma parte que se mata devagar, em silêncio, numa discrição pungente que apenas os que passaram por aquilo sabem reconhecer.»

E, as recordações:

«De repente a certeza de ter voltado anos atrás e nós, quase meninos julgando-nos homens, nas terras do Fim do Mundo, desamparados, a marcarmos cruzinhas nos calendários a cada dia que passava.
Onde se habitava em condições miseráveis, porque quem mandava em Luanda estava-se nas tintas para nós: bem se ralavam com a nossa sorte e a gente rodeada de inimigos.»
«Metade de nós ficou lá para sempre: a nossa juventude, os nossos projectos, a nossa alma manchada de sangue e terra.
Não vou descrever horrores, não vou contar nada.
Não é possível.
Não consigo.
Era um fardo pavoroso (perdão, é um fardo pavoroso) que continuamos a carregar juntos...»
 

segunda-feira, 29 de dezembro de 2014

Um aerograma, por Luis Leote


20/11/2014 
 
Remexendo o baú das recordações....

A propósito da disponibilidade que o Fernando Lourenço colocou, para quem desejasse ver o filme que foi feito por ele e o filho, coloco aqui um pensamento, que roubei não sei onde, e que retrata o que vi!!!!

1971 - Cabo Delgado - Norte de Moçambique...



 Um aerograma...



"...O medo, a raiva e a ansiedade são na guerra as personagens principais, mas é o cansaço o verdadeiro protagonista.

O cansaço é a pior coisa que há numa guerra.



A fadiga do corpo, a fadiga da mente, a fadiga da própria vida, que nos aproxima tanto da morte que dir-se-ia uma tentação permanente.

Acho que se há heróis numa guerra, que lutam com desprezo da própria vida é porque estão demasiado exaustos para considerarem a vida uma coisa digna de apreço.

Nesta exaustão completa, o próprio instinto de sobrevivência desaparece."

terça-feira, 12 de agosto de 2014

Nos confins da Serra do Mapé (Guerra Colonial - Lembrar os que ficaram), por Joaquim Coelho

Nos confins da Serra do Mapé

dormem os combatentes sem fé…
arrefece a vida com amarga saudade

daqueles que estão à minha espera;

aqui, sinto a amargura da verdade

da guerra perdida... mas desespera

a dor que não consigo mastigar,

porque a pátria distante esquece

os seus filhos que a terra apodrece!

(Extracto de poema de 1966)

por Joaquim Coelho - Sarg. Paraquedista

quarta-feira, 25 de junho de 2014

As comadres no Face, por Duarte Pereira


segunda-feira, 14 de Abril de 2014

QUARTO DIA

Este será o quarto dia que escrevemos no nosso "blog".

A inspiração anda fraca.
Acompanhamos o Face do Batalhão de Cavalaria 3878
Moçambique 1972/74....
 
Algo se passa naquela página, anda a perder o fulgor.
Agora com as férias da Páscoa ainda deve ir mais abaixo.
 
Nós, as Comadres, lá vamos tentando puxar por aquela malta.
Comentando, provocando, maldizendo.
 
Mas, andam lá uns cordeirinhos que às vezes e com grande esforço, lá vão clicando no "gosto" ou "like" ou lá o que é aquilo.

Já falámos de vários assuntos, que quase ninguém comenta.
Só nos querem sanear.
Somos a voz do povo, não a voz de Deus, mas aqueles "ateus" não nos ligam nenhuma e não seguem os nossos conselhos de "jovens" que já curtiram a vida e podem ensinar muita coisa. 

Vamos acabar por hoje,
Beijinhos para todos.
 
(AS COMADRES)

domingo, 30 de março de 2014

Poemas Antigos, por Paulo Lopes

 

TU ÉS UMA FLOR
 


Tu és uma flor sem nome
plantada no alto do poema
que eu quero escalar
sem cordas nem receios
para te chamar
amor.

Paulo Lopes (1975)
 
OLHO OS MEUS OLHOS


Olho os meus olhos
revejo-me e não conheço
estes olhos este rosto,...

Nem a guerra nem o ódio
nem dor nem sofrimento
nem o sol nem o vento
nem a luz do dia traz
um sorriso uma lágrima
tanto faz.

Sigo impassivo
este sol esta neve
estas flores de dor
estas vidas em bolor.

Paulo Lopes (1970)
 
Se ao menos vivêssemos
talvez ou outros surgissem
um pouco que fosse
no nosso pensamento.
Mas não vivemos
não pensamos
apenas estamos em pé
num constante lamento.

Paulo Lopes (1973)

NOITE ESCURA



Escura noite sem fim
perdida na madrugada.
Estranhamente
não há estrelas
não há luz nem lua
não há nada.
Apenas é noite
sem luz e sem lua
noite de ninguém
noite que não é noite
que na madrugada se perdeu
esta noite sem fim
esta escura noite.

Paulo Lopes (1967)

quinta-feira, 13 de fevereiro de 2014

Demasiados galões para o meu gosto, por Paulo Lopes

 
 
Amigo Gilberto Pereira, boa noite!


Já por aí disse algures que o estar na Mataca era mau, mas tinha as suas vantagens!


Aproveito para chatear a malta com umas poucas linhas do livro "Memórias dos Anos Perdidos ou a Verdade dos Heróis" e que é um aludir ao que, em estilo de humor, comento em cima:
................................................................................................
Fizemos mais duas operações, sempre com o espírito de simples atuação de patrulhamento e nomadização. Nunca de ataque programado ou de deteção de pontos específicos.


A primeira com a duração de dois dias e a segunda de quatro dias.
Mas qualquer delas era eu quem  comandava e eram os meus homens que se expunham ao perigo (não o major ou o tenente coronel) e como tal, enfim, há os heróis procuradores de glórias e medalhas e os outros/!
Finalmente e com grande satisfação, recebemos ordens para regressar à Mataca.
Na realidade é um paradoxo o que nos traduzia esta satisfação.
Era uma alegria regressar ao isolamento total, atravessar a fronteira do mediocremente aceitável para o extremo do péssimo.
 
Apesar de Macomia ser uma vila onde até podíamos escolher, num menu de caligrafia quase indecifrável, dois ou três pratos diferentes —frango, bife ou camarão— e beber uma bazuca na mesa de um café sem ser na mesa do bar do quartel, não era, fator suficiente para fazer esquecer o militarismo que nela existia.
Demasiados galões para o meu gosto!
Onde até eu tinha de ostentar as minhas magras três listas douradas, em forma de bico de seta, colocadas sobre um pequeno bocado de fazenda verde!
 
Coisa que não existia na Mataca, apesar de se sentir, mesmo assim e aí, algumas diferenças de tratamento como, num pequeno exemplo, no local onde dormíamos: os oficiais numa casa; os sargentos numa casota; os cabos e soldados num buraco!

paulo lopes