segunda-feira, 2 de dezembro de 2013

Pontão abaixo e a granada abandonada..., por Fernando Bento

Foto do Fernando Bento

22 de Julho de 2013 21:48
Mais um pequeno artigo para a história do nosso Batalhão, acompanhado de duas fotos elucidativas.
No dia 20/11/1972, perto da hora do almoço, ouve-se em Macomia um rebentamento, que logo se deduziu vir das bandas da picada para a Mataca.
De imediato o pelotão de sapadores, foi incumbido pelo major de seguir para o local, no sentido averiguar a origem de tão grande estrondo.
Patrulhamos toda a picada com atenção redobrada até que chegamos à zona em que a picada desce quase a pique culminando num pequeno pontão para depois subir novamente até ao Alto do Delepa (não sei se é assim que se chama).
Quando chegamos ao pontão, (estava ali a origem do rebentamento), deparamos com o mesmo parcialmente destruído, que impossibilitava a passagem e que a partir daquele dia teve de se fazer por um dos lados, o que constituía uma tarefa bastante difícil, pois as margens eram bastante inclinadas.
Estávamos a inspecionar o local no sentido de tentar descobrir se o mesmo não estaria armadilhado (era normal nestas circunstâncias), quando alguém gritou: atenção está ali uma granada.
Deparamos com uma granada desencavilhada colocada atrás de uma pedra, propositadamente abandonada.
Essa granada ainda nos fez recuar como primeira reação.
Certificaáo-nos que não haveria mais alguma armadilha, estava tudo limpo, então o António pegou nela com todo o cuidado, colocou-lhe uma cavilha, das nossas granadas e pendurou-a no cinto.
Tirei umas fotos para o relatório, e algum tempo depois abandonamos o local.

domingo, 1 de dezembro de 2013

Refeitório - Foto José Capitão Pardal

Texto do Livre Pensador (Ribeiro) para o Duarte Pereira

.....///.....

Também penso que sim, Duarte Pereira.

A nossa sorte foi que quase todas as munições de foguetão 122 caíram a menos de 50 metros do quartel.

Dentro deste, apenas caiu uma que destruiu grande parte do refeitório e inutilizou um dos obuses com que estávamos a responder ao ataque.

Quase ao fim duma hora de combate fomos obrigados a pedir apoio aéreo dos Fiats, porque também estávamos a ficar sem munições.

Acrescente-se, que ao mesmo tempo que decorria este ataque, a ponte do Messalo foi também atacada e um grupo de combate que saiu do quartel para ajudar o pessoal da ponte foi emboscado logo à saída do Chai.

Aquilo que hoje em dia se poderia chamar de 3 em 1.
Abraço.
Ribeiro

sábado, 30 de novembro de 2013

Uma notícia triste... Faleceu o David Carvalho... Paz para ele..., por Leonel Pereira da Silva

Leonel Pereira Silva

David Carvalho

No seguimento da má notícia que vos dei ontem (falecimento do camarada David Carvalho) e no enquadramento do que o Horácio Cunha bem descreve das muitas qualidades do DAVID, vem a propósito nesta altura partilhar convosco o seguinte.
 
No mês de Julho dia 14 era o aniversário dele, eu estava de férias no algarve e telefonei-lhe a dar os parabéns, foi quando fiquei a saber que ele tinha ido a uma consulta porque a Graça a esposa tinha insistido c/ ele pois notava que ele estava a perder força (ele ia a pé diariamente almoçar a casa e chegava muito cansado, o que nele que parecia vender saúde, era estranho), entretanto regressei e ele estava a aguardar resultados de alguns exames, mas a esposa estava muito pessimista, ele, se estava disfarçava bem.
 
Fomos, eu e a minha esposa, acompanhando a situação sobretudo com visitas a casa deles e ele muito confiante que tudo se ia ultrapassar quando os exames "disseram" que já não suportava a quimioterapia ou radioterapia foi-se muito abaixo, continuou medicado na esperança de poder fazê-lo mas infelizmente não foi possível.
 
Nas nossas conversas, quase sempre falávamos da guerra, até porque às vezes era uma maneira de eu o distrair, e esse tema e o futebol eram-lhe muito aliciantes.
 
Perguntei-lhe um dia se ele tinha ido à página do Batalhão, ele disse-me que não, e percebi que isso era uma coisa que o fazia sofrer, perguntei-lhe se ele queria que eu divulgasse ou informasse alguém da doença dele e ele disse-me que não.
 
A mim cabia-me respeitar e assim fiz.
 
Sempre que eu visitava ou comentava aqui na página, o tinha presente.
 
Este relato serve para vos informar mais acerca da doença dele (que teve origem nos intestinos), mas também serve para eu desabafar convosco destes meses que o acompanhei mais à Graça, os filhos Pedro e Ana e a neta Camila, que deu os primeiros passos durante a doença dele.
 
Ele esteve sempre muito consciente e lúcido até ao último momento, com nos deu conta a Graça hoje pela manhã.
 
Que Deus o tenha em descanso.

sexta-feira, 22 de novembro de 2013

Uma história do Fernando Lourenço, por Duarte Pereira

Diz o Duarte Pereira:
 
O FERNANDO LOURENÇO COMENTOU
SEI QUE TEM ANDADO MUITO OCUPADO, MAS DE VEZ EM QUANDO COLABORA MAIS. (SÃO OUTRAS HISTÓRAS )

Fernando Lourenço, comentou:
 
Muitos dos que passaram estes tempos menos bons das nossas vidas só agora passado muito tempo começam a falar do que passaram.
Outros começaram a falar bem cedo contando historias que a imaginação lhes ditavam.
Não creio que nós, apesar de maus, não foram dos piores.
Houve quem passasse muito pior.
O que o Horácio Cunha aqui relata posso corroborar.
 
Tem algumas lacunas menores que a memória o atraiçoou: Aates de Nambine é correto que montamos não um mas dois acampamentos e não era em nenhum aldeamento.
Foram de poucas semanas, dormíamos no chão e os alojamentos eram em tendas militares.
Em Nambine ficámos alguns meses e só depois é que nos fixamos no Alto da Pedreira.
 
Em relação á bebedeira comatosa tenho bem presente como foi e em que dia.
Passo a contar a história apresentando desde já as desc...ulpas por este texto ficar longo mas vale a pena.
 
Era dia de aniversário do Américo Coelho.
O sargento Silva fez uma belíssima caldeirada de cabrito.
No final da refeição, já bem comidos e otimamente bem bebidos, entra na nossa cubata (sala de refeições) um elemento, não milícia, mas sim um dos trabalhadores da estrada, já com os copos, a pedir vinho.
Agora reparem... numa daquelas latas de ananás, já vazia, tinha sido a sobremesa, houve quem abrisse uma garrafa de whisky (Bells, era assim o nome?) e outro elemento (não vou dizer os nomes ) abriu uma garrafa de cerveja Laurentina e despejámos na dita lata.
Ele bebeu tudo de uma assentada. Arrotou...
 
Queres mais? HUUMM HUMM...
Voltámos a despejar e a cena repetiu-se.
Deu três latas e meia se não estou em erro.
Agora não há mais, podes ir embora.
Passado algum tempo eu saí para satisfazer necessidades que o muito liquido tinha causado, noite muito escura e quando regresso reparo que o dito elemento estava encostado á parede mesmo ao lado da entrada.
 
Mal lhe toco ele caiu redondo.
Apesar dos esforços do Cunha ele não deu mais cor de si.
 
Quanto ao Natal e Ano Novo (73/74) tivemos a companhia do Cunha.
Como já aqui disse tenho um filme em que mostra o Cunha em tronco nu no Alto da Pedreira, a farda habitual de quem lá estava estacionado.
 
Também já aqui coloquei fotos dos vários locais dos estacionamentos com os panos verdes a fazer de tendas e que coloco outra vez.
Mais acrescento que a minha memória é muito ajudada pelos documentos fotográficos e fílmicos que aqui foram colocados tanto por mim como por outros camaradas.

domingo, 17 de novembro de 2013

Amor, segundo Paulo Lopes...

Amor, não
são beijos abraçados
não
são palavras esvoaçando
com musica de sons
de eternidade,
ditas na ilusão de nuvens
de verão.
Amor, não
é dizer mentiras escondidas
na cortina do inesquecível
de suaves carícias
dos momentos incontroláveis
de destino sem caminho.

Amor é
tão só
a frescura da manhã,
limpa de sonhos irreais
agarrando a plenitude
da presença, na ausência,
na dor e no sentir,
enxugar uma lágrima
recheada de sorrisos
com o silêncio da ternura
de ações despercebidas.

paulo lopes (2012)

quinta-feira, 14 de novembro de 2013

Reencontro II, por João Novo e Paulo Lopes

Por João Novo
 
Uma viagem a Borba.


Primeira visita, a este santuário, com a promessa de passar-mos, só a beber tinto, nada de água.
 
Trouxe uma garrafa de aguardente velhíssima, que deve ser um espetáculo, se quiserem é só dizerem...

 


Paulo Lopes

Parece-me que o dia 14 de Novembro foi dia de reencontro.

Um dia para além do dia, um almoço muito para além do petisco.

Um dia de hoje acompanhado da presença do calor humano da amizade, regado por conversas e histórias do passado que se tornaram presente, pensando já no futuro.

O meu agradecimento ao Jose Capitao Pardal e ao João Novo pela mais que agradável companhia e pelas horas que, num ápice se passaram em tão amável e saudável companhia.

Como diria a minha avozinha albicastrense:

Bem hajam!...



 
 
 




Reencontro I, por Américo Condeço

Hoje dia 14 de Novembro de 2013 encontrei pela primeira vez após mais de 40 anos, um COMPANHEIRO das lides militares em terras de Moçambique nos anos de 1972 a 1974, de seu nome João Marcelino e foi assim:
De manhã bem cedo estava eu a planear o meu dia tocou o telemóvel e eis senão quando do outro lado ouvi o convite, queres ir almoçar comigo hoje?...

A agenda estava limpa livre de marcações e disse logo que sim, bem havia umas quantas coisas a tratar da parte dele e por mim, e então combinamos encontrar-nos numa grande superfície aqui da zona.
Á hora, mais minuto menos minuto, lá nos encontrámos, ainda no parque de estacionamento subterrâneo (chegamos ao mesmo tempo).
Uma buzinadela e um leve acenar e ai estávamos nós a tagarelar um com o outro depois dos abraços (fortes e sinceros) lá seguimos para a função a que nos propusemos para selar este nosso reencontro.
 
O local não era muito do agrado do meu amigo Marcelino, ainda me disse é pá e se fossemos para outro sitio, onde possamos estar mais à vontade para conversar, ao que respondi, está bom aqui, pedimos e sentamos à mesa diante de uma grelhada mista, que muito me agradou pois soube-me muito bem, mas não foi isso que nos levou ali mas sim o vermos-nos um ao outro e conversar um pouco sobre nós.

Só vos digo que ao fim de 3 horas, ainda estávamos com assunto para continuar a conversar, mas os afazeres de um e de outro ditaram a despedida com mais uns quantos abraços e a promessa de voltarmos a encontrar para mais um repasto como motivo para a tagarelice.
 
FOI BOM, MUITO BOM mesmo, mas ficou no ar e porque não com mais alguns amigos companheiros daquelas andanças por terras de África .
OK porque não um dia destes temos que pensar nisso, danadinhos para isso andam uns quantos, fica a promessa temos que ir e vamos por certo beber umas MANICAS e umas LAURENTINAS ao restaurante do chinês de Moçambique.

Desde já quero dizer que se aceitam sugestões para uma possível data, acho que estão encerrados á segunda feira (vou ver depois digo).


sábado, 2 de novembro de 2013

QUANTO MAIS TÊM..., por Paulo Lopes

Mais um poema do Paulo Lopes...

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Sentei-me na mesa
de um soldado...
logo tive tudo pago.
Sentei-me na mesa
de um brigadeiro...
tive de deixar meu dinheiro.

paulo lopes (1974)

"INDISTRIBUIÇÃO", por Paulo Lopes

E a este poema do Paulo Lopes, o que dizem?!...

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 Há a insuficiência suficiente...
para morrer enfartado
e a suficiente insuficiência
para viver remediado.

paulo lopes (1970)

quinta-feira, 31 de outubro de 2013

Mais uma missão cumprida!..., por Paulo Lopes

Mais uma missão cumprida!...
Seguimos então em busca dum local mais apropriado para descansarmos. Talvez um hotel de cinco estrelas com piscina à saída dos quartos!
Já andávamos há mais de cinco horas e ainda não tínhamos parado, nem para comer!
Íamos na nossa marcha cautelosa quando o primeiro homem, num gesto instintivo de defesa e automatizado, rapidamente se mandou para o chão que, em cadeia, obrigou todos a fazer o mesmo. Era a minha secção que seguia na frente e então, rastejando, aproximei-me dele que de imediato levou o dedo ao nariz em sinal de silencio. Apontou-me para um morro dizendo em voz de surdina:
— Dois homens ali!
— Onde? Respondi no mesmo tom de voz tentando visualizar o local para onde ele apontava.
— Naquele morro!
Deslizamos ligeiramente, tal animal rastejante, um pouco mais a frente tentando uma melhor posição sem sermos vistos, mas os tais homens que colocaram em alerta todo o grupo de combate não os consegui ver nem nunca mais os distinguimos no meio daquele mato. Afinal não estávamos tão sozinhos como pensávamos ou gostaríamos de estar!
 
E se já nos tínhamos convencido que poderíamos abrandar a nossa atenção e aliviar um pouco mais a nossa tensão, seria melhor esquecermos esse pressuposto e não descurar-mos um possível ataque ou emboscada!
 
Continuamos o nosso caminho.
O cansaço era demasiado evidente.
A vontade de parar e comer começava a ser imperiosa mas toda aquela agitação tinha colocado em nós uma expectativa que nos deixava inseguros para uma refeição calma.
Mas tínhamos de o fazer.
Então, por ordem do alferes, sem uma escolha muito estudada do restaurante, puxamos da nossa varinha magica e eis que surgiu, vinda de dentro das nossas mochilas a nossa apetitosa refeição bem guardadinha dentro das famigeradíssimas latas de conserva das nossas não menos fabulosas rações de combate!
E que nos faça bom proveito!...
Mais vale isso que nada!
Pensarão os nossos patrões de enormes riscos e estrelas douradas nas divisas vermelhas, enquanto limpam as suas beiças untadas de molho de camarão grelhado com um guardanapo debruado a renda fina!
 
Enquanto comíamos com o máximo de silencio possível, ouviu-se um som ecoante de alguém que cortava lenha e, quase em simultâneo, um pouco mais ao longe, um cantar que não nos deixava outra ideia nem qualquer duvida que não a de ser a voz extraída dum papo de um galo!
 
Não haveria muito que pensar nem esforçarmos os nossos neurónios para descortinarmos que estávamos perto de uma aldeia mas, se porventura alguém ainda duvidasse de tal concreta conclusão, depressa acordariam para a realidade com um grito, que surgido do nada, nos despertou ainda mais a nossa já alertada expectativa:
— Tropaeue ! Tropaeue!
Dois tiros foram dados do mesmo lado donde provinha o grito e novamente o alarme com a mesma frase a ser gritada:
- Tropaeue! Tropaeue!
Acabou-se a refeição meus meninos.
Toca a pagar o almoço!
Não há sobremesa nem café para ninguém!
Num abrir e fechar de olhos ficou a mesa levantada e a cozinha arrumada! Imediatamente iniciamos a escalada do resto da serra, pois era de lá que tinha surgido todo o alarido.
 
Não sabíamos se o homem que gritou nos tinha visto ou se apenas detetou, como eles tão bem sabem fazer, as nossas recentes pegadas ou simplesmente ouviu qualquer ruído que tivéssemos produzido, por pequeno que fosse, mas suficientemente auditivo para aquelas orelhas atentas e de largo alcance detetarem.
 
O certo e que sabiam que estávamos muito próximos e por isso, a solução mais viável, era seguir o mais rápido possível para o local de onde tinham surgido os gritos antes que começasse a chover morteirada!
Não tardou que detestássemos palhotas no meio de árvores altas e densas, de mato cerradíssimo a volta de toda a pequena aldeia.
Rapidamente formamos a posição de assalto e aproximámos nos das palhotas.
Já perto delas paramos na tentativa de ver algum movimento, mas com os gritos e os dois tiros dados exatamente para fazer o efeito de aviso, era mais que provável que tudo tivesse desandado dali rapidamente.
Por isso, sabendo que na certa, se houvesse base ou posto avançado por perto, depressa cairiam ali granadas de morteiro.
Tínhamos que destruir rapidamente o que havia para destruir e zarparmos antes que se fizesse tarde!.
 
O que detetámos foram galinhas, ovos, panelas de barro e outros utensílios, mas alegrias para o major "Alvega" ou seja, armas e homens capturados, isso é que não!!!.
 
Lá voltamos nós a não contribuir para mais um bocadinho de medalha ou acrescentar mais um degrau na carreira auspiciosa do nosso tão heróico e muito querido major comandante de operações.
Pois.
Que pena!!!
Lá teve o alferes de o informar e o desiludir, mais uma vez!
Fica para a próxima!!!
No entanto, penso que ele já teria ficado contente só com a nossa deteção e destruição de mais umas quantas palhotas, o que aliviava um pouco a frustração da operação onde tinha envolvido a aviação. P
 
Poderia dizer que afinal sempre havia naquela zona movimentação IN e que os homens que ele comandava, obedecendo às suas ordens e seguindo as suas orientações, tinham descoberto, atacado e destruído.
 
Para mim e para os que quiserem contar a verdadeira historia destes ataques e destruição de meia-dúzia de palhotas que rapidamente seriam reconstruidas por aqueles que íamos afugentando, apenas se poderá dizer que não passavam de meros acasos como tantos que aconteciam.
 
A maior parte das situações que davam origem a entradas em bases ou postos avançados, nada tinham a ver com heroísmo, preparação ou experiência de guerra.
 
Não quero, não devo, porque não posso vulgarizar nem generalizar tudo e todos porque não estive em todos os lugares, porque não presenciei muitos ataques nem vivi com todos os que, como eu, perdemos estes longos meses de vida.
Mas posso falar e contar do que presenciei e que deles fiz integralmente parte.
E destes eu sei que a nossa determinação em encontrar inimigos, matá-los, destruir tudo o que encontrávamos, não era feita com qualquer intuito de enaltecermos o nosso heroísmos ou de agradar aos nossos superiores hierárquicos.
Para estes, apenas sentíamos o nosso rancor e desprezo e apenas por receio de represálias que estávamos sujeitos a sua, deles, prepotência é que fingíamos respeita-los.
Muitas vezes esses objetivos que nos obrigavam a procurar, surgiam-nos como por encanto.
 
Outras tantas aconteciam quando já pensávamos que nos tínhamos livrado de mais uma enorme chatice de termos que destruir ou disparar rajadas de ódio e quiçá, livrarmos a nossa pele de ser beliscada por uma bala disparada e encontrarmos aí o final de uma curta vida ou dela não mais termos vontade de a ter.
Não existiam aqueles heróis dos filmes de guerra.
Rambos ou similares, só de encomenda e nem mesmo aqueles que da guerra faziam profissão, lutavam só pelo prazer de lutar.
Poderá ser que tivessem existido, poderá havê-los, não afirmo que não mas eu, por onde andei, por onde rastejei, por onde escondi os meus medos e receios, por onde senti o meu corpo tremer de ansiedade, por onde senti a solidão abraçar a frágil juventude, por aí, eu não os vi nem nunca se deram a conhecer.
O que eu vi, o que eu senti ou o que eu fiz, foi sempre com o instinto de sobrevivência e nunca a pensar que um dia me chamariam herói porque esse espécime, pura e simplesmente não existe. Acreditem que o nosso, pelo menos meu, heroísmo, poderá apenas ser decifrado e justamente aplicado pela perda dos nossos anos dourados que os poderosos, governantes e desprezíveis homens do nosso país nos obrigaram a passar.
 
Por outro lado, digo-lhes com toda a sinceridade e sem falsa modéstia: não acreditem nas historias daqueles que dizem ter sido heróis porque sozinhos desbastaram exércitos de inimigos e viraram bases IN em cinzas defrontando a peito aberto e sem qualquer tipo de medos todos os que lhes fizeram frente.
Isso são guerras passadas apenas nas esplanadas de alguma cidade das colónias africanas e contadas por alguns que nunca estiveram no mato nem sequer, no mínimo, provaram uma única lata da ração de combate, quanto mais pegar numa G3 ou em qualquer outra arma para defender, quanto muito, a sua própria vida!

Os verdadeiros heróis já morreram e nem souberam porque!
E creiam que jamais serão lembrados nem imortalizados.
Apenas a dor ficará nos peitos de quem os gerou porque para os governos, apenas éramos e somos uns meros números mecanográficos que serão apagados dos livros históricos militares assim que a nossa juventude deixar de lhes fazer falta.
Pernoitamos já no sopé da serra e no dia seguinte estávamos na Mataca sem o pedido habitual de retirada visto que a nossa missão estava cumprida.
Não sei qual o conteúdo do relatório que foi elaborado em relação à operação agora terminada mas o major deve ter ficado furioso.
Tão furioso que "desceu" à Mataca.
Desconheço a razão nem tão pouco a conversa que ele manteve com o capitão mas, deve ter ameaçado com conselho de guerra e que nos enfiava no pior buraco de Moçambique!
Pergunto:
Haveria pior buraco que Mataca?
Pois coitados dos que lá estavam!
Mas, infelizmente, havia mesmo ainda pior que Mataca!
Não em instalações ou isolamento, disso tenho certas duvidas, mas sim, decerto, em questões de ataques traiçoeiros, guerra constante a distancia e de minas.
 
Locais onde cada dia era uma surpresa que colocava os nossos militares em constante aperto de peito. Cada saída para o mato, fosse em operação ou picada, era mais um jogo de “roleta russa”.
Corto os meus tomates se lhes estiver a mentir ao dizer que, majores; generais; tenentes-coronéis ou parecidos, não estavam lá nem um. E será que deveriam estar? Provavelmente sou eu que estou com exigências aparvalhadas!
Coitado do nosso herói! Fez-lhe bem a vesícula e veio justificar o seu abastado salário que o contribuinte lhe paga.
Nós ouvimos e... caluda, que isto é uma passagem (má passagem) para o outro lado da vida. E retorquir a vontade expressa deste ou de outro qualquer proprietário das nossas vidas de militar seria um passaporte para mais uns meses de presença às ordens deles.
Por isso, fiquemos nos pela nossa indignação contida no intimo com a esperança de um dia nos encontrarmos na vida civil!
Aí, provavelmente continuarei a não lhes poder fazer mais para alem do que aqui fiz, mas posso, pelo menos, ignora-los, virar-lhes as costas e mandá-los apanhar gambozinos!
Paulo Lopes
in “Memórias dos Anos Perdidos ou a Verdade dos Heróis”


sábado, 19 de outubro de 2013

Poema In "O Povo, Poesia em Movimento", do Paulo Lopes

 
Faço o meu comentário com extratos espaçados e aleatórios de um poema muito extenso que escrevi na minha tenra idade e que deu o nome a um livro de poesia, quando alguém me alertou, que existia a ditadura e censura (livro com poemas escolhidos entre 1967 / 70) capaz de me criar sérios problemas.

...........................................
Em passo de dança
em saltos de galgo
o povo dança não cansa
o povo corre não morre
........................................
E o povo chora calado
não grita
........................................
Nos lábios calados do povo
foge o sorriso
nasce a tristeza
passam as lágrimas
vindas do fundo
de ruas esfomeadas

Mas o povo vai à festa
e canta
e dança
e aplaude

Manda flores
em vez de pedras
beija as mão
em vez de morder
...................................................
E na festa
bebe o suor
come os minutos
sofre a dor
de mais uma guerra perdida
com palavras inativas
....................................................
E o bolor apodera-se do corpo
e a humilde carcaça do povo
encosta-se ao osso
enquanto crescem barrigas.
..................................................
E as águas as aves o vento
e o povo num choro calado
gritam poesia em movimento.

Claro que muitos críticos, uns de meia tigela, outros de tigela inteira dirão (e quiçá com muita razão) que isto não é poesia, é um amontoar de palavras sem sentido.
Mas são palavras minhas, que saíram de quem sempre andou ao sabor das suas próprias ideias sem nunca se ter deixado (nem por toda esta cambada que se aproveitou desde Abril 74 para brincarem aos democratas, socialistas e comunistas) manipular por politiquice.
Tenham paciência mas eu, quando escrevo, não finjo que escrevo e percebo muito bem todas as linhas escondidas nos textos e contextos (só que, por vezes, não ligo).


in "O Povo, Poesia em Movimento"
Paulo Lopes

sexta-feira, 11 de outubro de 2013

Esta é para os operacionais..., por Rui Brandão


 
 
 
30 de Julho de 2013 23:09
 
Caros Combatentes.
Regressei de uma semana de férias.
Mas ainda há mais... Calma.
Como devem calcular estive com grande sofreguidão a ver as "entradas" do pessoal aqui na nossa página, sempre fantásticas e surpreendentes.
Boa!!!
No entanto, parece (poderei estar enganado) haver por aqui algum ESTATUTO assumido não sei como, por aqueles que eram tidos como operacionais em desfavor daqueles que lhes foram incutidas outras especialidades, como se estivessem menos sujeitos a perigos.
 
Pois bem.
Vou partilhar convosco uma história verdadeira que se passou comigo, quando eu ainda tinha alguma esperança de não ser convocado para os treinos na dita Guerra do Ultramar.
 
É verdade, passou-se mesmo na Recruta em Santarém (quem lá passou, sabe como aquilo era...).
 
Durante a chamada "semana de campo", eu fazia parte de uma patrulha que andava atrás dos "turras".
Como não era possível apanhá-los (andavam sempre de pincha de um lado para o outro), o aspirante que era um tretas e ainda um valente f.d.p... mandou-nos assaltar o nosso próprio acampamento.
Nada estava combinado ou planeado.
Resultado, uma confusão do caraças, tiros para todos os lados e eu naquela balbúrdia toda, sou atingido com uma bala com o cano da Mauser a menos de 10cm da perna esquerda quase junto ao osso ilíaco.
Ato contínuo levantei as patas pelo ar e fiquei estendido completamente sem forças.
Enfermeiros, 4 agulhas espetadas na perna (nem as sentia) e toca de injetar Buscopan.
Fui evacuado de ambulância para o Hospital da Estrela onde cheguei quase 3 horas depois.
 
Durante a viagem comecei a bater mal porque não sentia a perna esquerda - Como eu te compreendo meu caro amigo Rui Briote!!! - .
Operado de urgência, com muitos pontos e ainda um dreno, fiquei condenado a ir, passados 7 dias, a Santarém para jurar bandeira para não perder a Recruta.
Fi-lo completamente sozinho em plena Biblioteca da Escola Prática de Cavalaria perante o Comandante (só me lembro que se chamava Banazol).
As dores eram insuportáveis e cada vez ia descaindo mais para o lado esquerdo, mas jurei aqueles mandamentos todos que me lixei.
Sim!!!
Eu posso afirmar que jurei mesmo Bandeira.
 
Ai não... Esta é para os operacionais.
Fala-vos um ex-militar que sabe o que é ser ferido por um tiro e viver a incerteza do que lhe poderá acontecer para o resto da vida.
Tenho ainda mais para vos contar no próprio teatro de guerra.
Ficará para mais adiante...