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domingo, 23 de fevereiro de 2014

VIDA de um não MILITAR, por Armando Guterres



 
VIDA de um não MILITAR

Quinta 02/07/1970 - Banho na ribeira - primeiro ato militar com os catorze mancebos da aldeia.

Sexta 03/07/1970 - Inspecção sanitária, no velho edifício dos Bombeiros Voluntários do Fundão. Resultado previsível "todo o serviço" - não conseguido, segundo os interesses deles.
Santarém - terça feira 12/01/1971 - como recrutado.
Não recortaram grande cousa....
 
Sábado 03/04/1971 - Recruta pronto.
 
Domingo 11/07/1971 - 1.º cabo miliciano - Apresentação no RC4.
Missão pastar a vaca, com um intervalo de 3 semanas em Tancos no Curso de Buracos e Alçapões. Continuação de pastar a vaca - um trabalho que levei a sério e cumprimento segundo o RDM.
Sargento de dia num Domingo - Arrear da Bandeira: um puxão para baixo + dois para cima e depois de três tocaduras ...
Não faço ideia de quem a pôs cá em baixo.
 
Segunda feira 20/09/1971 - no gabinete de um capitão.
Tínhamos chegado atrasados dez "pastores".
Conforme iam dando justificações, iam levando dez dias.
Chegou a minha vez e dei a razão de ter perdido o comboio, que de propósito não tentei encontrar (festa civil na aldeia).
Mostrei o pulso e disse "MEU CAPITÃO O PONTEIRO DOS MINUTOS CAIU E POR ISSO CHEGUEI ATRASADO AO APEADEIRO".
Fiquei muito admirado da sua cara simpática a mandar-me retirar.
Os restantes continuaram a colecionar dez dias.
Terça feira 08/02/1972 - Teatro Vitória uma secção da Revista e corrida para Santa Apolónia. Abrantes - Santa Margarida de táxi.

Quarta feira 09/02/1972 - Furriel Miliciano Graduado - embarque no Figo Maduro - Luanda.
 
Quinta feira 10/02/1972 - Chegada à Beira de manhã.
Saída do quartel para cidade num autocarro de 2 pisos que tencionava ir vazio (abanou o suficiente até abrir as portas).
Andei sozinho à procura de uns primos que não encontrei.
Disse a um VCC que tinha uma nota de mil e ele foi comigo a uma cervejaria e fez questão de pagar as Laurentinas.
Jantar numa cervejaria com muita da nossa malta.
Um Alfero comando, chegado de Tete, pede ao n/capitão-proveta autorização para uivar.
Endireitou as facas de peixe que o empregado lhe ia dando.
Sexta feira 11/ 02/1972- Entrega das G3.
Voo fretado à DETA.
Último voo em que serviram bebidas alcoólicas nesses fretes.
Bebeu-se toda e qualquer que ia embarcada. Coitadas das hospedeiras!!!!
Porto Amélia debandada de armas e bagagens para pensões e hotéis.
Fui um dos que dormiram no quartel (num canto num monte de colchões).
 
Sábado 13/02/1972 - Queixa às autoridades militares, porque o pessoal invadiu a praia da messe dos oficiais e de fato de banho, uns de cuecas e outros nem isso.
Ao anoitecer recebemos as munições.
Trepámos para as viaturas atribuídas, transporte de gado com os respectivos taipais.
Paragem em Ancuabe para formar a coluna com a devida protecção.
Domingo 13/02/1972 - Recepção pelos velhinhos.
Saída para a Mataca.
Muito bom acolhimento no resort.
Terça feira 15/02/1972 - Os velhinhos leváramos para Macomia.
Quinta feira 17/02/1972 - Regresso à Mataca ...

 

domingo, 16 de fevereiro de 2014

CCS 42 anos depois, por José Guedes


Bom dia a todos os amigos,..
Mas permitam-me um cumprimento especial aos amigos da C.C.S., hoje 7-2- 2014 faz 42 anos da nossa partida para Moçambique, para uma guerra que ninguém nos perguntou se queríamos fazer parte dela,..
 
Nesta viagem infelizmente alguns não mais voltaram, outros vieram e já não se encontram entre nós, como ninguém é eterno também vai chegar a nossa vês e lá nos iremos encontrar novamente.
 
Por coincidência fazia eu neste dia 8 meses que assentei praça, na Figueira da Foz (CIC2), eu que praticamente nunca tinha saído da terra onde nasci senti-me como peixe fora de água.
Não conhecia nada nem ninguém, fui encontrar homens com personalidades fortes e eu ainda a pensar onde me tinham ido meter.
Aos poucos, lá me foi adaptando mas cada vês que se mudava de quartel lá teríamos de fazer novos conhecimentos o que dificultava, pelo menos a mim, a minha integração.
 
Quando fui formar batalhão em Santa Margarida, ai foi a última etapa a fazer amigos, porque era a etapa definitiva.
 
De toda a malta da minha especialidade, só um outro condutor me acompanhou. Condutor esse que nunca conseguiu conduzir e ainda hoje não conduz por aqui se via o que era a tropa.
 
Em Santa Margarida e já integrado na companhia ,voltei a encontrar já pessoas com personalidades muito fortes e não posso deixar de comentar um episódio que aconteceu, que muitos com certeza vão recordar.
 
Um determinado dia já noite estava-mos todos na cama, porque era época de muito frio e dormíamos com a farda nº 3 vestida, apareceu um militar na dita caserna com duas jovens bem jeitosas por sinal, a perguntarem pelo Bairro Alto como ele era conhecido. Ele levanta-se da cama para ir ao encontro delas e uma perguntou se eles dormiam vestidos ao que ele prontamente respondeu, não, isto é o pijama da tropa.
Gente já vivida, se fosse eu nem sabia o que dizer, mas foi um fartote de riso nessa noite.
 
Peço desculpa, que hoje exagerei um pouco na escrita.
 
Dentro dos possíveis sejam todos felizes,... um abraço,...

terça-feira, 24 de dezembro de 2013

O "Treme, Treme"..., por Fernando Bento

Foto Google

29 de Julho de 2013 22:12
Quando os Sapadores chegaram a Stª Margarida para integrar o I.A.O. (vínhamos de Bragança de dar uma especialidade de sapador), já todas as companhias se encontravam espalhadas pelas matas de Stª Margarida.
Ao chegarmos ao RC 4, fomos informados dessa situação e conduzidos de imediato, para o local onde estaria a C.C.S..
Depois de nos termos apresentado, tentamos arranjar sítio para dormir.
Sitio para dormir arranjamos, mas não havia colchões disponíveis, então fomos falar com o alferes Antunes, que era o Comandante de Companhia (depois tenente), para nos arranjar uma viatura para irmos buscar colchões.
Quando estávamos a falar com ele reparamos que o homem não parava de abanar a cabeça em sinal negativo, então o António com a sua perspicácia toda retorquiu: mas meu alferes, chegamos agora, não temos colchões, onde é que dormimos?...
O alferes, sempre a abanar a cabeça, respondeu: 
Ó homem, quem é que lhe está a dizer que não!
Vão lá buscar os colchões.
O homem ficou então conhecido pelo "treme, treme".

terça-feira, 27 de agosto de 2013

Os meus primeiros dias de tropa, por Paulo Lopes

R. A. 4 - Leiria
Para espicaçar a malta a contar os seus primeiros dias de tropa aqui fica mais um pouco do livro: "Memórias dos Tempos Perdidos ou a Verdade dos Heróis"

Falando nisso, vamos almoçar...
Um militar de divisas douradas em pano de fundo verde tropa (fiquei a saber que era 2º sargento) veio chamar-nos à caserna, agora um pouco mais calma e menos conflituosa com a confusão gerada pelo homem/roupa/apetrechos/cama de cima ou de baixo/cacifo esquerdo ou direito:
— Tudo la fora, rápido. Vociferou com voz de comando num tom feroz a querer meter-nos medo, como se disso houvesse necessidade, a nos, pobres mancebos que ainda nos tremiam as pernas só de ver o lustroso fardamento que enfeitava a besta feita militar.
Após reunidos e perfilados na parada a saída da caserna e sem muitos rodeios, pôs-nos a caminhar mais ou menos ordenados em direção ao refeitório.
Primeira refeição: Chicharro frito com arroz.
Até que do chicharro gostei ou então seria a fome que já fustigava o estômago e resmungava por qualquer ementa, mas o arroz, coitado, parecia feito de um bago só, qual cimento quase seco, enfim, do mal, o menos e dava para afugentar a fome que se ia aproximando dos nossos esfomeados esqueletos!
Decerto que me esperavam coisas bem piores que um simples arroz mal confecionado!
Digo eu!
Estávamos no fim da nossa refeição quando fomos “convidados”, mais uma vez com uma voz de dono do mundo, a apresentar-mo-nos dentro de dez minutos na parada.
Ordens são ordens e a nossa posição não aconselhava a ripostar.
Longe de tal, pelo menos no que tocava a minha pessoa apesar de, interiormente, não ter gostado daquela forma de convite!...

Mas nós já não éramos convidados.
Já fazíamos parte integrante dum objeto que servia para ser amedrontado por frustrações impiedosas de produtos mal acabados e cioso de mostrar o seu pseudopoder.

Já na parada e de formatura efetuada com o esforço dedicado de dois ou três fulanos com divisas vermelhas e em bico também listadas em pano de fundo verde tropa (mais uma que fiquei a saber: cabos milicianos) ficamos a conhecer os nossos futuros protetores e docentes:
Comandante da Companhia: um capitão.
Três listas douradas verticais sobre um fundo verde;
Comandantes de Pelotão: tenentes, alferes e aspirantes.
Duas listas douradas na vertical os primeiros, uma lista dourada os segundos e os últimos também uma lista dourada mas na diagonal do fundo verde.
Por fim, Comandantes de Secção: furriéis e cabos milicianos.
Três listas em forma de sinal de seta sendo duas para um lado e outra para o lado oposto.
Isto os furriéis.
Os cabos milicianos faziam o mesmo desenho mas em listas vermelhas e não tão reluzentes.
Os “maiorais”, aqueles que só aparecem em ocasiões especiais, os que mandam nos que na altura se esforçavam para dar mostras evidentes que eram eles que ali mandavam, iríamos conhecer um pouco mais tarde.
Uma lição importante: há sempre alguém que manda acima de quem manda alguém!...(falta-me descobrir se existe fim, se para nalgum lado, se o animal tem focinho e cauda!...
Ficamos ali mesmo com a nossa primeira lição de obediência hierárquica.
Fomos divididos como quem divide uma partilha e entregues aos nossos proprietários para que estes fizessem de nós “homens a sério”!
Estávamos apenas na primeira semana da nova vida.
Ainda completamente inadaptado a nada nem a ninguém, numa das formações matinais, antes do pequeno-almoço, chamaram uns quantos, um a um, para uma formatura à parte onde, sem saber porque, também estava incluído!...
— Mau'! Que fiz eu para obter tamanha honra de marginalização?
Perguntei para os meus botões que foram, diga-se, meus conselheiros de muitas batalhas dos pensamentos quando tinha tempo, espaço e vontade de pensar!
Depois de separados, ficámos a saber que estávamos escalados para fazer uns testes a que davam o nome de psicotécnicos.
Tal como um toque de interruptor que velozmente acende uma luz, vieram-me a memória alguns conselhos (idênticos ao do engolir uma azeitona!) que me tinham acompanhado para esta vida militar. Conselhos de quem já tinha passado pela tropa e entre muitos, um dos que ficou gravado na minha memória foi:
— Não te armes, nem em muito esperto, nem em demasiado burro.
Fica sempre no meio e se possível despercebido.
Para que serviriam aqueles testes?
Como deveria agir?
Devo esforçar-me e dar o meu melhor ou simplesmente efetuá-los?
Do que constarão os testes?
Foi neste estado de espírito que passei o dia e não consegui obter uma auto-resposta.
Mas venham de lá esses testes!
Que coisa mais burra!
Ou foram estupidamente elaborados ou propositadamente de aparência estúpida!
Testes tão fáceis que não dava sequer para tentar não saber fazê-los.
Já não me recordo de todos, mas um ficou-me memorizado: parecia um brinquedo de crianças, daqueles que dizem para que idade que foram concebidos e contava para pontuação não só a colocação de umas peças no local correto mas também o tempo que demoraríamos a efetuar essa tarefa.
 
Desconfiei daqueles testes e fiquei a pensar se estávamos simplesmente a ser gozados ou mesmo a ser testados mas de uma maneira diferente do que estava habituado nos tempos não muito longínquos das cadeiras das escolas e com testes bem mais complicados.
Terminados os testes de secretária feitos num só dia, passámos a outros, aos físicos:
Na manhã seguinte e previamente avisados, estávamos novamente formados à parte e conduzidos à pista dos obstáculos físicos.
Comecei a pensar que deveria dar o meu melhor e que talvez, com isso, retirasse alguns dividendos que me pudessem aliviar de funções mais pesadas e fosse colocado numa secretaria militar dum qualquer quartel, conforme o anjo me falava, de quando em vez, atrás da orelha a quem eu, já desconfiado, respondia na orelha dele: e eu sou o Pai Natal!
Conflitos de pouca monta!
Iniciámos então os diversos exercícios físicos sempre acompanhados e vigiados de perto por graduados que apontavam, penso eu, as nossas aptidões!
Daquilo gostava eu.
Desporto sempre foi comigo.
Mas de calções, ténis e camisola, não fardado e com botas da tropa!
Essa e que eu não esperava!
Entre saltos em comprimento; corrida de obstáculos a percorrer o mais rápido possível um determinado espaço; ora correndo ora rastejando por baixo de arame farpado ou saltando por entre pneus suspensos por cordas a troncos de arvores, tal qual macacos, foi mais ou menos fácil de transpor para todos os intervenientes mas, andar em travessas com um palmo de largura a três, ou mais, metros do chão e saltar daí para um tronco de árvore que distava cerca de um metro, agarrar-se a ele e por ele descer, complicou a situação para uns quantos, do que não se livraram duns certos nomes e risadas.
Gostei de fazer todos aqueles exercícios e fi-los com determinação e uma perna as costas esquecendo que estava a ser classificado para algo que desconhecia.
O desporto sempre injetou em mim uma espécie de analgésico com efeitos imediatos fazendo com que me concentrasse no que fazia esquecendo o que viria a fazer ou o que tivesse feito!
Resultado intermédio: fiquei, no conjunto dos testes, psicotécnico e físico, em segundo lugar.
Resultado final: guia de marcha com mais uma boa mão cheia de camelos com as mesmas bossas que eu, para o quartel das Caldas da Rainha.
No final da segunda semana de clausura, mandaram-nos descansar para casa esse fim-de-semana, não sem que antes ter de devolver as tralhas que já tinham colocado a nosso uso e de nossa inteira responsabilidade.
 
Eu e mais uns quantos “magalas” já não regressaríamos a Leiria tendo na mão uma guia de marcha com destino ao RI 5 onde teríamos de nos apresentar na segunda-feira seguinte.
 
Paulo Lopes (20130827)
 
 
 

quinta-feira, 22 de agosto de 2013

A MINHA PRIMEIRA COLUNA DE REABASTECIMENTO A MACOMIA, por Paulo Lopes



"Picada" Mataca - Macomia (foto Paulo Lopes)
PRIMEIRA “PICADA” ATÉ MACOMIA

Ficámos alguns dias sossegados da azafama constante do vai e vem das operações, o que nos admirou bastante, mas não nos preocupou absolutamente nada.

Podíamos passar os dias a ler, a jogar xadrez, damas ou cartas, consoante os gostos de cada um e, pela tardinha, fazíamos —os mais desportistas— uma peladinha naquele “estádio” fabuloso onde, enquanto uns corriam atrás da bola fugindo ao tédio, outros viam, aplaudiam e apoiavam os do lado de que mais gostassem naquele momento, como se estivessem no estádio do seu clube eleito.

Quanto ao que me tocava, não dispensava esse momento de desporto e lá estava eu, sempre no meu posto de guarda-redes, defendendo o meu emblema que era, sem duvida, o esgotar dos minutos, o passar do tempo numa actividade com acesso à descompressão do pensamento negativo.
 
Enquanto tentava que nenhuma bola passasse para além das canas de bambu, esquecia-me que, para lá do arame farpado, existia outro “jogo”, onde nenhum de nós, jogadores, ganharia.
 
A vitória ia apenas e sempre, para os abutres que dominam o mundo e as pessoas!
Nestes dias tínhamos, portanto, as duas partes que constituem a felicidade de um soldado: bem alimentados (tendo como conceito que a boa alimentação era apenas e tão só o não comer a ração de combate) e repouso absoluto.
Situação invejável, não fosse o local de isolamento onde permanecíamos e a constante tensão que, mesmo neste sossego interior, estava, apesar das aparências, continuamente presente.
A qualquer momento todo o cenário se poderia modificar e o que era descanso passaria a pesadelo muito antes de um esfregar de olhos!...

Nos primeiros tempos da campanha, mesmo com estas situações pontuais, sentia-me completamente destroçado e incapaz de reagir.
Agora, ventos e tempestades passadas, tormentas e ansiedades desmanteladas, horas consecutivamente contadas minuto a minuto, estes poucos dias de “nada fazer”, faziam-me sentir quase contente e feliz.
É tudo uma questão de hábito.
Assim se comprova, na realidade, que somos um animal de hábitos.
Mas a “boa fruta” chegou ao fim quando uma ordem para nos irmos reabastecer a Macomia entrou pelas antenas do aparelho do nosso criptógrafo.
Era a primeira vez que saía da Mataca para ir a outro aquartelamento atravessando a serra através da picada que nos levava até lá.
Ia “estreá-la” e conhecer todos os seus riscos que espreitavam atrás de cada árvore, à frente do próximo passo.
Mais uma nova experiência não desejada para adicionar a umas já conhecidas, à espera de outras que o futuro espreita.
.
— Amanhã vamos a Macomia e como já não é novidade, os perigos são vários, tanto no caminho para lá, como no regresso e principalmente neste, visto que vimos carregadinhos de mantimentos, portanto, há que abrir bem os olhos e arrebitar as orelhas.
Dizia o alferes S……, continuando: — Daqui a pouco, mais para a noite, como costumamos fazer nestas ocasiões, vão informar a vossa “malta” que por volta das quatro e meia, cinco horas, arrancamos! Creio que não são necessárias mais conversas porque, como sabem, para estas picadas, quanto menos se falar melhor.

E com estas palavras, poucas e simples, saímos! Ainda vinha a sair da reunião e já estava a perguntar, porque me fez uma certa curiosidade, o porque do “quanto menos se falar melhor” e qual a razão de apenas à noite se ir dizer ao grupo que cada um de nós comandava, que iríamos a Macomia no dia seguinte.
As respostas às minhas questões foram tão rápidas e simples, quanto a reunião que acabávamos de ter: — Porque, não sabendo como, mesmo aquela hora da manhã, quando se passa pela aldeola, já lá estão nativos para aproveitarem a nossa deslocação a Macomia, apanhando boleia até lá, correndo assim menos riscos de serem apanhados por elementos da Frelimo e também para pouparem uns largos quilómetros nas pernas.
Ora, se eles sabem, mesmo quando essa viagem só é dada a conhecer já à noitinha, também os “turras” tinham esse conhecimento e tempo para preparar uma emboscada ou colocar minas. Portanto, quanto mais tarde se desse a informação, menor era a possibilidade de ser passada para o exterior.
Dizia-me um camarada.
Simples e agradável de saber!...
Ainda não eram cinco da manhã e mal a aurora tinha chegado, já todos estávamos preparados para a partida.
O roncar dos motores deu o sinal e, ainda em cima das Mercedes 404, quatro ao todo, iniciámos o percurso que tinha passagem inevitável pela aldeola.
Lá estavam eles!!! Tal como me tinham dito, uma dúzia bem medida de nativos já estavam prontos, de malas aviadas e “arranjadinhos” para a “excursão”.
Enquanto eles subiam para as caixas das Mercedes, nós saltávamos para o chão porque, a partir dali, íamos entrar na floresta a caminho da Serra do Mapé.
 
A “estrada” não era mais do que trilhos formados pelo passar daquelas já cansadas viaturas que as gastas rodas faziam pelo mato dentro rasgando uma linha que se ia desviando ao sabor das corpulentas árvores tão velhas como a floresta que atravessava.
À frente iam os batedores.
Cerca de dez de cada lado do rodado por onde passariam as rodas das viaturas. A distribuição destes militares era feita intervaladamente e revezando-se: cinco preparados com a sua respectiva arma para o que desse e viesse e os outros cinco iam picando constantemente a terra com uma cana de bambu que tinha um prego enorme na ponta, a que chamavam “detector de minas” que, conforme o nome indica, tinha como intenção o detectar das minas que estivessem colocadas no dito rodado.
 
Eram trinta e tal longos quilómetros que tínhamos de palmilhar até Macomia!...
A vegetação era inconstante: ora espessa e de uma densidade assustadora não permitindo enxergar meio metro para os lados. Ora aberta e de arvoredo espaçado dando-nos uma confortável sensação de segurança quanto a possíveis emboscadas.
 
De minuto em minuto, de passo em passo, umas vezes apressados, outras nem tanto, consoante as exigências do terreno, fomos progredindo atravessando o pé da Serra, subindo-a, “largando”, de quando em quando, granadas de morteiro, como que a “varrer” os locais periféricos da nossa passagem, até atingirmos o cume.
Sem descanso e com todos os sentidos a funcionar em pleno, avistámos as machambas de Macomia, cerca do meio-dia.
Do aquartelamento de Macomia até às machambas onde nos encontrávamos, já um grupo de combate daquele quartel tinha batido a zona e então, com mais segurança, poderíamos montar nas Mercedes e dirigir-mo-nos ao quartel, dando um pouco de descanso as pernas já um pouco desejosas de parar.

Num instante chegámos a Macomia.
Vila onde se situava a sede do Batalhão ao qual a nossa Companhia pertencia.
Para além do quartel (quartel mesmo! com casernas e tudo), Macomia já tinha umas quantas casas de habitação, cujas, poderiam ter mesmo esse nome.
Já havia uma, mas só uma, estrada de alcatrão.
Esta vinha de Porto Amélia, com passagem por Macomia.
Estrada nada amigável para ser utilizada por viaturas civis sem se fazerem acompanhar pelas Panhard do Exército e em coluna não estando, mesmo assim, livres de irem pelos ares arremessadas por minas não detectadas que, mesmo por baixo do alcatrão, eram colocadas pelos guerrilheiros que esburacavam nos laterais do asfalto depositando-as na distância prevista onde passaria o rodado das viaturas.
 
Também existiam duas casas comerciais onde se podia comer um bife com batatas fritas e beber uma bela cerveja fresca, o que, para nós, vindos do fim do mato, atravessando um autentico oceano de arvoredo, era um hotel de cinco estrelas!
Que luxo!!.
Este quartel já tinha traços metropolitanos e de forma idêntica aos diversos quartéis espalhados por Portugal Continental.
Não tinha nada em comum, no aspecto arquitectónico, com aquilo que tínhamos em Mataca. Um quartel murado com muros de tijolo e cimento, chão totalmente alcatroado, não com simples arame farpado como na Mataca e dum chão de terra batida esvoaçando poeira mal havia uma leve brisa de vento.
 
Recheado dumas quantas casernas também feitas de material que consiste numa casa normal, com telhados de telha de barro, janelas para arejar e dar luz solar e chão de mosaico. Não num buraco feito na terra, com folhas de zinco como telhado, sem uma única janela ou quaisquer arejamento para além das portas mal amanhadas que arrastavam e esburacavam o chão feito do mesmo material que o restante estacionamento, como as nossas “casernas” da Mataca.

Que me perdoem, esta minha invejosa definição e comparação, os camaradas que sofreram naquela terra onde a guerra também estava visível a olho nu e que, tal como nós, estavam bem longe dos seus. Felizmente para eles que tinham, pelo menos, o mínimo de condições de sobrevivência e que, não os aliviando da malfadada sorte de terem sido espoliados da sua juventude, os ajudava a desanuviar um pouco mais a dor que nos perseguia constantemente e que instintivamente nos íamos defendendo, cada um à sua maneira e com as armas que individualmente tínhamos no pensamento.

Estivemos dois dias estacionados, onde até deu, pelo menos para mim que não posso ver uma bola aos saltos, seja de que modalidade for, disputar uns quantos jogos de voleibol.
Sim!
Aquele quartel até tinha campo de voleibol alcatroado e delineado!
Claro que nada disto os afastava dos perigos constantes e comuns a todos nós.
Apenas os aliviava um pouco a tensão tal como as nossas “jogatanas” de futebol na Mataca.
 
Mas como o nosso lugar não era aquele, após termos o nosso carregamento prontinho para regressar, fizemos-nos à “estrada!”...
Já tínhamos talvez perto de três horas percorridas e já estava ultrapassada a descida da serra quando, de repente, fomos surpreendidos pelo som estridente dos tiros que vinham da frente da formação. Estávamos no meio de uma emboscada.
Quase de imediato, como se fosse automático, os nossos homens que se encontravam na zona efectiva da emboscada, ripostaram com bastante fogo de rajada. Conheci então, pela primeira vez, a guerra psicológica:
— Comandos a esquerda! G.E. à direita! Gritava o furriel M…… de alto e bom som, fazendo jus a sua boa voz de comando enquanto todo o pessoal já estava, apesar da surpresa inicial, ordeira e estrategicamente deitados no chão da picada com as armas apontadas para os dois lados do denso mato e prontas para a defesa.

Comandos e Grupos Especiais, como o M…… queria que houvesse, isso é que não vi nem poderia ver a não ser em pensamento ou nalguma visão de filme de guerra!...

As únicas forças existentes eram os primeiro e quarto grupo de combate e mais a tal dúzia de nativos que regressavam connosco para Mataca que, não ajudando em nada nestas ocasiões, atrapalhavam ainda mais!
Conforme sorrateira e inesperadamente fazem a emboscada, também e com ainda maior rapidez desaparecem sem deixar rasto da sua presença.
Assim funciona a guerra de guerrilha feita pelos guerrilheiros da Frelimo.
Entre gritos, tiros, explosões de granadas por nós atiradas, e de insultos ao inimigo nada nos aconteceu para além do enorme susto e o acelerar das batidas do coração. Foi muito maior o nosso fogo de resposta à emboscada do que aquele efectivado pelo IN.
Este disparou alguns tiros e fugiu.
Aliás, e felizmente para nós, como era habitual nos guerrilheiros da Frelimo!
Pela forma do ataque, ficámos convictos que não tinha sido uma emboscada premeditada mas sim e apenas um encontro ocasional, uma passagem simultânea no mesmo local e aproveitada pelos guerrilheiros, visto que, a grande distância, já se ouvia o roncar fastidioso e melancólico dos motores das nossas viaturas.
 
O tiroteio também não durou muito tempo, e depois de fazermos uma busca rápida a zona circundante no interior do mato, prosseguimos com a coluna até a Mataca sem que mais problemas tenham surgido.
Nestes momentos, passados os sustos, é que nos vem à memória como eram bons os tempos em que, nas diversas paradas dos quartéis da Metrópole, quando em formatura se ordenava: —quem sabe andar de bicicleta saia da formação.
Estratégia de que todos conheciam a razão, mas que sempre fazia alguns “cair”, espelhando orgulho nos seus rostos como se saber andar de bicicleta fosse uma questão de grande orgulho nacional: —Então apresentem-se na cozinha que há muita batata para descascar”. Surgia de imediato o prémio!
Após este susto, e com surpresa geral, estivemos novamente “parados” no nosso canto, mais de quinze dias.
Foi neste espaço de tempo que saíram duas promoções:
Sem alaridos, sem pompa nem discursos de ocasião e muito menos com paradas militares. Apenas em comunicado oficial e lido, já não sei bem por quem, duma forma simples como quem lê uma noticia no jornal sem quaisquer importância:
— O alferes S…… passa a capitão miliciano e o furriel L…. promovido a alferes miliciano.
A única situação alterada, e apenas para o L…., foi a mudança de “aposentos” instalando-se na messe dos oficiais.
 
Paulo Lopes (20130822)

quarta-feira, 21 de agosto de 2013

NOVAMENTE, TAVIRA, por Fernando Bento


 
BOA TARDE PESSOAL.
 
FINALMENTE ENCONTRO-ME A PASSAR UMAS FERIAS EM SARZEDO, MINHA TERRA NATAL.
 
DEPOIS DE ALGUM TEMPO DE AUSÊNCIA DEVIDO A COMPROMISSOS PROFISSIONAIS, QUE MUITO ME OCUPARAM NESTAS ULTIMAS SEMANAS, CÁ ESTOU PARA TENTAR POR A ESCRITA EM DIA, E TENTAR COLABORAR (DENTRO DO POSSÍVEL), NESTA PAGINA.
 
GOSTARIA DE PARTILHAR CONNVOSCO A MINHA CHEGADA A TAVIRA.
ENTÃO CÁ VAI.
 
APÓS UMA RECRUTA NO RI 5 NAS CALDAS DA RAINHA, RECEBI GUIA DE MARCHA PARA TAVIRA (C.I.S.M.I.), ONDE IRIA FREQUENTAR O CURSO DE SAPADORES.
 
ESTÁVAMOS NO INICIO DO MÊS DE MAIO DE 1971.
 
DEPOIS DE UMA NOITE MAL DORMIDA, FEITA, PRIMEIRO DE BARCO DO TERREIRO DO PAÇO PARA O BARREIRO E DEPOIS DE COMBOIO, QUE PARAVA EM TODAS AS ESTAÇÕES E APEADEIROS, CHEGUEI A TAVIRA, CERCA DAS 6,30 DA MANHÃ.
NA GARE DA ESTAÇÃO DOIS ELEMENTOS DA P.U. (POLICIA DA UNIDADE), ESPERAVAM-NOS. MANDARAM-NOS FORMAR A DOIS E LÁ SEGUIMOS EM DIREÇÃO AO QUARTEL QUE ATÉ NEM FICAVA MUITO LONGE DA ESTAÇÃO.
 
QUANDO LÁ CHEGÁMOS JÁ ERA GRANDE A BARAFUNDA COM MUITOS INSTRUENDOS QUE À VOLTA DE UNS PLACARDS COLOCADOS À ENTRADA DA PARADA TENTAVAM SABER ONDE IRIAM SER COLOCADOS: COMPANHIA, CASERNA, ETC..
 
TINHA ACABADO DE VER ONDE IRIA SER COLOCADO (1ª COMPª. E 1º PELOTÃO), QUANDO SE OUVIU UMA VOZ NAS NOSSAS COSTAS:
ATENÇÃO, SAPADORES, ONDE ESTÃO OS SAPADORES DO 1º PELOTÃO.
TEEM 5 MINUTOS, 5 MINUTOS OUVIRAM BEM?... PARA ESTAREM AQUI NA PARADA FARDADOS COM A FARDA Nº 3.
 
OLHÁMOS NA DIREÇÃO DONDE VINHA AQUELA VOZ, ERA UM ALFERES, O ALFERES MADEIRA, SAPADOR, E QUE SERIA O NOSSO INSTRUTOR.
 
BOM, COMO CALCULAM FOI UMA CORRERIA LOUCA EM DIREÇÃO À CASERNA PARA NOS VESTIRMOS COMO ELE MANDOU.
FOI UMA GRANDE CONFUSÃO.
EU ATERREI NA PRIMEIRA CAMA QUE ENCONTREI VAZIA E DESPACHEI-ME O MAIS RÁPIDO QUE PUDE.
 
QUANDO CHEGAÁOS À PARADA, OS 5 MINUTOS TINHAM PASSADO HÁ MUITO.
HAVIA ALGUNS DE BLUSÃO, CAMISA E GRAVATA E CALÇAS Nº 3, OUTROS COM A PARTE DE CIMA Nº 3 E CALÇA DE SAIDA, UMA GRANDE MISTURA DE FARDAMENTOS.
 
O ALFERES À NOSSA FRENTE OLHOU-NOS COM UM SORRISO TROCISTA, MANDOU, FIRME, SENTIDOOOO, MEIA VOLTA VOLVER, PASSO DE CORRIDA E LÁ FOMOS EM DIREÇÃO AO PORTÃO SUL.
ESTE PORTÃO DAVA ACESSO À ZONA DE INSTRUÇÃO, ONDE SE SITUAVAM A PISTA DE OBSTÁCULOS, AS SALINAS COM AGUA ESTAGNADA, ETC..
 
BOM JÁ ESTÃO MAIS OU MENOS A CALCULAR A RECEPÇÃO QUE NOS FOI OFERECIDA.
ERAM AS FLEXÕES, OS ABDOMINAIS, O RASTEJAR, ANDAR DENTRO DAS SALINAS, ETC..
 
QUANDO UMA HORA DEPOIS ENTRAMOS NO QUARTEL, TODOS "BEM CHEIROSOS" E SUJOS DE PORCARIA DOS PÉS À CABEÇA E A GRITAR, OS SAPADORES SÃO OS MAIORES, ESTÃO A VER A CARA DOS OUTROS QUE SENTADOS PELOS CANTOS AINDA AGUARDAVAM ORDENS.
 
DEPOIS VIEMOS A SABER QUE AQUILO ERA UM ESPECIE DE PRAXE AOS NOVOS SAPADORES.
AS FARDAS FORAM LAVADAS CONNOSCO LÁ DENTRO.
Fernando Bento publicou no
BATALHÃO DE CAVALARIA 3878
20130820
 

 

quarta-feira, 14 de agosto de 2013

COMO TUDO COMEÇOU!..., por Duarte Pereira

Duarte Pereira
Duarte Pereira, in Facebook


COMO TUDO COMEÇOU!...

JÁ FOI HÁ MAIS DE UM ANO. 


DOIS OU TRÊS DE NÓS TROCÁVAMOS MAIL...

NA ALTURA JÁ TINHA FACEBOOK, MAS NÃO PERCEBIA NADA DAQUILO, E RARAMENTE O ABRIA.

 
DIARIAMENTE ERA MAIL PARA CÁ E MAIL PARA LÁ. 
 
QUANDO NUM DIA, PENSO QUE APARECEU UMA MENSAGEM PARA ADERIR AO GRUPO DO BATALHÃO. 
 
DEVO TER SIDO O TERCEIRO OU QUARTO A ENTRAR.
 
AO FIM DE POUCO TEMPO JÁ ERA MAIS UM ADMINISTRADOR.
 
COMEÇAMOS DEVAGARINHO A COLOCAR FOTOS, E EU NADA.
 
NÃO TINHA O SCÂNER.
 
TIVE NECESSIDADE DE AULAS, PARA APRENDER A COPIAR, COLAR E A MINHA MULHER QUE FAZIA ISSO NO SERVIÇO, TEVE DE ME ATURAR.
 
DEPOIS TIVE AULAS DE DIGITALIZAÇÃO, COM UM PROFESSOR PARTICULAR.
 
COMO AO PRINCÍPIO A MATÉRIA NÃO ERA ABUNDANTE, COMECEI A ROUBAR FOTOS E TEXTOS DA INTERNET.
 
ARTIGOS SOBRE COMIDA, BEBIDA E ATÉ ANEDOTAS. ERA UMA ESPÉCIE DO JORNAL "PÚBLICO".

SIM.
 
O CAPITÃO PARDAL AO CRIAR A PÁGINA, TEVE EM MIM UM SEGUIDOR.
 
QUE JÁ TEVE MUITAS CRÍTICAS AQUI EM CASA, NA PRÓPRIA PÁGINA E ATÉ NO EXTERIOR.

ENQUANTO ME SENTIR BEM E O COMPUTADOR AGUENTAR, ANDAREI POR AQUI!...
 
Duarte Pereira (20130809)

domingo, 11 de agosto de 2013

A EXPLOSÃO NO PAIOL, por Paulo Lopes

 
 
 

 
Terminado o estranho mas bastante apreciado "descanso" voltaram as operações: desta vez o meu grupo não participou ficando no estacionamento acompanhados pelo grupo de apoio.

Dentro do nosso "quartel" nunca havia obrigações diferentes para fazer, chegando mesmo a dar origem a um certo desmazelo em relação à nossa própria segurança de tão consequente e repetitiva ser a vida dentro dele.

Assolava-nos a solidão do isolamento que nos apertava o peito mas o silêncio de uma clareira plantada no meio de uma interminável selva com todos os perigos espreitando a cada ramo de árvore, a cada passo que poisávamos nos trilhos fora do arame farpado que nos separava, contrastava com esse espírito de solidão e transmitia-nos uma paz que nos ia aliviando a pressão da guerra.

Enganadora paz que nos alterava a forma de estar no alerta constante como se, estando para cá desse arame farpado, nos livrasse dos perigos que, ocultos na mata, espreitavam qual leão esfomeado preparando o assalto à sua presa.

Mas a regra à excepção existe e, numa bela tarde, à mesma hora, com as mesmas pessoas, no mesmo campo, com a mesma bola e eu defendendo as mesmas balizas, fomos interrompidos pela gritaria de expressão aflitiva que nos fez deixar a nossa fuga à realidade e voltarmos a entrar no tempo e espaço em que vivíamos:

- O paiol está a arder. O paiol está a arder! Venham ajudar. O paiol está a arder!

Para dar razão à lei dos supersticiosos, era dia treze de Outubro, sexta-feira.

Aquilo a que chamávamos de paiol só poderia ter esse nome pelo facto de lá estarem guardados todos os tipos de materiais bélicos, desde armamento a munições para diversos tipos de armas. Inclusive tínhamos também lá guardados dois bidões de duzentos litros cheios de combustível de helicópteros para eventuais abastecimentos de urgência que ocasionalmente pudessem surgir.

Uma casota com pouco mais de quinze, ou menos, metros quadrados, revestida de tijolo.
Uma porta simples de madeira com uma fechadura normalíssima.
Tecto de chapas de zinco ondulado cobriam a casa da penetração do sol, chuva ou do que a meteorologia nos oferecesse.
De pouca, se não nenhuma, ventilação.
Era o paiol!...

A tal improvisação e o desenrasca da nossa característica presença, forma de ser e pensar, menosprezando quase sempre a nossa própria segurança em benefício do "amanhã logo se vê"!...

Aqueles alertantes e expressivos gritos acompanhados de desespero, aflição e manifesto gestual terminaram com a nossa tarde desportiva obrigando-nos a desviar o nosso olhar, focando-o para o local ao mesmo tempo que corríamos para lá.

Num segundo todos estávamos em redor do paiol que deitava fumo pelas frestas da porta e pelas folgas do telhado que uniam ao tijolo, sem sabermos exactamente o que fazer naquele preciso momento.
Sem raciocinar, arrombei a porta e com um camarada que já empunhava um extintor vinda da enfermaria, entrámos na esperança de apagar o presumível incêndio.

Não se viam chamas. Não se via absolutamente nada, pois o fumo era negro e muito denso não permitindo qualquer visão dentro daquela casa.
Voltámos a sair para aliviar os olhos que fraquejavam perante tanto fumo e dar um pouco de ar à garganta que ficara seca num segundo.
Outro soldado foi para o interior do paiol.
Voltei a entrar em auxilio desse camarada e os dois, com o extintor em punho, tentávamos espalhar espuma não sabendo tão pouco para cima de quê.
Mas, tal como em muitas outras coisas do nosso exército, não funcionou.
Há quanto tempo estaria aquele pretenso extintor sem ser carregado? O mais provável é que nunca tivesse sido levado dali para ser inspeccionado e acredito que ninguém se tenha, no mínimo, preocupado com isso.
Pelo meu lado, não sendo, de forma alguma, diferente dos outros no desenrasca (andámos todos na mesma escola) nem tinha conhecimento da existência de tal aparelho!...

Nada mais havia a fazer ali dentro.
A abertura da porta originou que o fumo se dissipasse um pouco mais o que nos deu uma outra visão do que estava a acontecer.

Levantámos uma caixa de granadas de morteiro de onde saía bastante fumo e o que conseguimos fazer com essa operação foi piorar a situação pois, se o fumo já era denso, apesar de mais aliviado, ficou ainda pior!...

Só um acto inconsciente levaria alguém ir dentro de uma arrecadação repleta de fumo quando o seu conteúdo se compunha de quantidades apreciáveis de explosivos de várias espécies: granadas de mão ofensivas e defensivas; granadas de morteiro; TNT; munições das metralhadoras "G3" e "HK21" e sei lá o que mais se encontrava dentro daquela pretensão a paiol!
Para completar e talvez o pior de todo aquele arsenal para "animar" um mais que provável fogo, lá estavam os tais bidões de combustível.

Mas a guerra é uma inconsciência e nós, jovens guerrilheiros improvisados, abandonados à nossa sorte que, apesar de contrariados, quando metidos no centro dos acontecimentos, fossem eles quais fossem, dávamos sempre o nosso melhor e nestes momentos de pressão, éramos arrastados por essa inconsciência esquecendo-nos, por vezes, que a nossa própria vida estava a correr riscos!

Naquele momento não estava em causa o matar para não morrer onde, se virássemos as costas à luta, estaríamos a oferecer a nossa vida ao inimigo.
O defendermos-nos primeiro e pensar na soberania do nosso país depois.
A sobrevivência.
Não! Naquela situação que estávamos a viver poderíamos simplesmente sair dali, esquecer o paiol, deixar arder e fugir para o mais longe possível.
Esperar pelos acontecimentos. Ver o que dava! Mas não foi o que fizemos.

Ninguém saiu daquele local e todos, de uma forma ou de outra, tentámos resolver a questão como se fosse a ultima acção das nossas vidas. Alguém já havia transportado para junto do paiol a viatura que rebocava o tanque que nós utilizávamos para ir buscar água ao poço para os banhos e com o auxilio do motor de água, projectá-la para cima daquela fumarada...

Uma fila de munições da HK21 que se encontrava por cima de uma das caixas de onde saía o grosso fumo, começou a estoirar como se alguém as estivesse a disparar.
Tal som, sobejamente conhecido e gravado no nosso subconsciente, provocou-nos uma reacção instantânea mostrando-nos a realidade dos factos.
A inconsciência tomada nos momentos anteriores foi aniquilada e o regresso à terra puxou pelos meus pulmões que soltaram amarras e gritaram o mais alto que puderam:
Fujam! Fujam! Corram para as valas!...

Não sei em que espaço de tempo todos desapareceram daquele local, mas que foi rápido, isso foi!...

Pelo meu lado nunca corri com tamanha velocidade e tanta vontade!
As munições continuavam a assobiar ao saírem do seu invólucro.
Já deitado dentro de uma vala e com o coração aos pulos, esperei o inevitável: a explosão!...
 
"Memórias dos Anos Perdidos ou a Verdade dos Heróis"

Paulo Lopes 20 de Julho de 2013
 

segunda-feira, 5 de agosto de 2013

DESENRASCANÇO DE MAGALA - FEIRA da LADRA -Coronha de G3, por Américo Condeço


FEIRA da LADRA -Coronha de G3

Como no grupo "BATALHÃO DE CAVALARIA 3878" foi dado destaque a este EX LIBRIS de Lisboa (Feira da Ladra) vou contar o meu contacto com a mesma.
No IAO (Instrução Aperfeiçoamento Operações) ao saltar de uma "Berliet", em movimento, para o chão, apoiei mal a coronha da minha G3 e "pimba" lá foi ela para o "maneta" (a coronha).

No fim de semana seguinte, lá fui eu entrar com uns tostões para uma nova como mandava a lei do desenrascanço.
Quando cheguei a Santa Margarida no Domingo á noite fui montar a dita cuja e qual foi o meu espanto quando verifiquei que a mesma não dava, havia ali qualquer coisa que não estava bem.
Resultado, toda a semana a esconder a coronha partida colada com fita cola para que no fim de semana seguinte a pudesse trocar.
Quando cheguei novamente á Feira da Ladra o vendedor não estava lá.
Lembrei-me e fui a outro vendedor de material daquele e disse lhe: Senhor, olhe lá, você vendeu-me isto (coronha da G3) mas ela não serve na minha arma.
O homem com ar desconfiado lá ma trocou e eu fiquei assim com a coronha em perfeitas condições.
 
Desenrascanço de Magala
 
Autor: Américo Condeço